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Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

26
Jan16

Naquele ápice em que os deuses, distraídos, piscaram os olhos...

Entre Voos

 

 

"É assim que imagino o paraíso..." – disse ela, sorrindo, enquanto as suas mãos procuravam as dele, deitados que estavam na manta estendida no convés superior do barco, por cima da cabina principal, iluminados por milhões de estrelas cintilantes, perfeitas... Ele sorriu-lhe e, após uns segundos de silêncio em que toda a história do mundo se reescreveu, beijou-a suavemente na testa, depois nos olhos e, finalmente, nos lábios mais macios que alguma vez conhecera…

 

O dia tinha sido passado no barco, explorando o maior reservatório artificial de água da Europa, escorado pela barragem do Alqueva. Naquele dia de verão, a elevada temperatura que se fez sentir foi suavizada com banhos regulares e demorados na convidativa água do lago e, ao final da tarde, também a noite foi aparecendo cálida, convidativa, perfeita, com a via láctea pintada no céu e o ar preechido com as sempre encantatórias sonoridades notívagas. Tinham acabado de rever o filme “Os amigos de Alex” no portátil que ele trouxe, bem juntos, cúmplices, envolvidos pelo ciciar constante da ondução no casco do barco ancorado próximo da margem… Ele voltou-se, por momentos, e colocou o CD da Katie Melua para ouvirem uma versão daquela música que ela gostava...

 

“É assim que imagino o paraíso…” – disse ele, sorrindo… Beijou-a novamente, puxando-a para si, demorando-se como quem sabe chegou ao seu destino, fazendo do encontro dos seus corpos quentes a desculpa natural para lhe tirar a camisa branca e descobrir os seios nus, perfeitos… Deixou que o seu olhar selasse a pureza daquela fome, incendiando-lhe a pele desfolhada com a carícia húmida da sua língua escaldante. Percorreu, atento e diligente, as paisagens que surgiam nas frases que os olhos dela iam escrevendo no desejo… “Sabia o que era ser mãe; contigo fiz-me mulher…” – segredou-lhe no momento em que lhe entregava a chave do seu jardim secreto… Os dedos dela, arados, sulcaram-lhe as costas lavrando ondas de prazer e, castos, os gemidos de ambos suplantaram a harmonia errática do canto dos grilos e das aves noturnas… No bailado sensual que os seus corpos executaram, advérbios de tempo, modo, lugar e quantidade, agigantaram-se até à explosão inevitável no último movimento, concluindo a mais bela narrativa de amor escrita numa noite de verão…

 

Deixaram-se estar quietos durante muito tempo, no lugar que sabiam pertencer-lhes desde sempre, sentindo o lento balançar do barco nos braços um do outro, no lugar que o universo esculpiu à medida de cada um. Naquele ápice em que os deuses, distraídos, piscaram os olhos, eles foram felizes, inteiros, foram tudo o que existiu no paraíso… "Ficas comigo? Para sempre?" - perguntou-lhe num sussurro... Apesar do sorriso que surgiu naquele bonito rosto adormecido, não teve a certeza de que ela o ouvira... Pouco depois também ele adormeceu completo, ao lado da mulher da sua vida, com a certeza que eram os donos do mundo…

 

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20
Jan16

A casa da praia...

Entre Voos

 

A casa da praia é um sítio mágico... Acordo tranquilo, com um dia inteiro, novo, pela frente. Quieto, absorvo o calor que me aconchega por baixo do edredão e, lentamente, vou tomando consciência do som das vagas que se deitam incansavelmente na areia da praia, lá ao fundo. Este som ritmado, tranquilizante, energizante, está sempre presente aqui, na casa da praia: abraça-nos com a inevitabilidade dos dias e das noites, a banda sonora ideal para compor a essência solitária no encontro comigo próprio. Medito, dando as boas vindas ao que o dia me ofertará…

 

Depois do pequeno almoço frugal, inicio uma caminhada na descoberta de novos caminhos de areia, pedras e erva rasteira, por entre pinheiros e canas, ao encontro da praia prometida no espanto sonoro entregue pela brisa fria que me deixa as mãos e o rosto vermelhos. Dentro de mim sinto a calma a tomar conta dos pensamentos e até os meus passos determinados se tornam demorados, alinhado que estou com o agora, com os cheiros a mar, a verde, a vida, a espaço, a tempo, a ti…

 

Ao chegar à praia não me teria admirado ver-te ali, sabes?, naquela duna, sentada numa toalha para te protegeres da humidade matinal que a areia absorveu, embrulhada no teu casaco quente, confortável, com o vento a alisar-te o cabelo, os olhos entregues à paz que o mar devolve, refugiada no teu jardim interior, naquele sítio para onde um dia me levaste pela mão e onde descobrimos o sentido de todas as coisas… Percorro a praia devagar, pensativo, sentindo a areia debaixo dos meus pés, sentindo o frio, sentindo o vento, sentindo a força do mar que, determinado, vai acariciando a terra e pacientemente beijando a areia, dia após dia, após dia, após dia...

 

Em casa, na ampla sala que se abre para a praia, dispersa-se no ar a fragância do incenso a Nag Champa que acabei de acender dentro daquela pequena caixa de madeira rendilhada, trazendo-te para o meu lado… Sinto que as nossas vidas são preciosas e, enquanto o meu olhar se dirige para lá - para aquele lugar eterno que só nós conhecemos -, uma calma tépida, pacificadora e empática, submerge os meus sentidos e arrasta-me para a cadência segura das vagas que se deitam continuamente na areia da praia, lá ao fundo, mágica, em que todos os caminhos me levam para ti, sem urgência nem hesitações, como sempre foi... 

 

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14
Jan16

Papel de carta...

Entre Voos

 

É noite dentro: já passa das duas da manhã… No ar ouve-se o zumbido reconfortante do ar condicionado que mantém aquecido o ambiente da sala, dispersando o aroma do incenso que arde no queimador em cima da pequena mesa de madeira, ao lado do sofá... Quando lhe enviou a carta, optou por fazê-lo usando o correio normal em detrimento do e-mail: não era a rapidez que lhe interessava, mas a solidez que o papel emprestava às palavras que escrevera... Na realidade, tinha a esperança de conseguir sentir quando as mãos dela, macias, abrissem a carta. Quando ela percorresse com a ponta dos dedos, devagar como era seu hábito, as linhas por ele escritas, seria o mais perto que tinham estado um do outro nos últimos meses… era como se lhe pudesse tocar novamente, através do papel de carta, ao de leve, na sua pele de algodão… Só por isso já valera a pena.

 

A carta seguiu logo após do Natal, mas chegou já depois da primeira semana do novo ano, demorando-se por entre os milhares de postais de boas festas que naquela altura circulam através dos correios. Era a sua forma de lhe relembrar o quanto a amava mostrando-lhe que, apesar da fragilidade do ser humano e dos erros tontos que por vezes homens e mulheres fazem, a verdadeira essência do que somos, a verdade da alma, está nas coisas simples da vida... E então tentou descrever-lhe como as coisas habituais do dia a dia o faziam lembrar-se dela e da forma deslumbrada como a amava em todas as coisas simples da vida…

 

Recortou pequenos corações de cartolina (como um dia fez para vestir as paredes do quarto deles) e imaginou a surpresa que lhe passaria pelo rosto quando, inevitavelmente, os corações caíssem para a mesa ao retirar a carta do envelope… Que imagens dele lhe terão passado pelos olhos nesse instante? Que saudades demoradas lhe percorreram a pele num arrepio? Quantas vezes a releu sentindo em cada palavra o mesmo aperto no coração que ele ao escrevê-la? Quantas lágrimas silenciosas acompanharam o sorriso que lhe aflorou os lábios? Quantas vezes terá acariciado o papel tentando lembrar-se da sua voz em cada palavra, do seu perfume em cada vírgula, do seu rosto em cada letra? Quantas vezes releu aqueles parágrafos até decidir guardá-la definitivamente ao pé das outras cartas, na caixa de papelão que ainda subsiste na última gaveta do seu roupeiro?...

 

A noite já lhe pesa nos olhos. De repente sentiu-se inundar de saudades, saudades de, ao deitar, lhe dar um beijo leve para não acordar aquele anjo, saudades de ver a sua roupa na poltrona, já preparada para se vestir rapidamente de manhã... Saudades de a ter ali, no lugar que é dela, aninhada no seu peito… Só por isso já valera a pena…

 

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12
Jan16

Parabéns, meu “Huckleberry”...

Entre Voos

 

O que mais me impressionou, desde cedo, foi o seu domínio da construção frásica, a forma como utilizava as palavras e o rigor do seu uso, sempre no sítio certo, a ironia no momento adequado… Impossível não notar o olhar vivo, sedutor, desafiador, a personalidade vincada, aquele "sorriso de um milhão de dólares", a curiosidade insaciável pelo saber, a paixão que dele transbordava ao ver um cão em qualquer sítio, ou o amor que o abraço dele - do tamanho do mundo - era capaz de nos transmitir…

 

Faz anos hoje, ele, uma outra parte de mim, um dos dois miúdos fantásticos da minha vida, o mais desafiador que já conheci, daqueles que nos leva ao desespero para depois nos resgatar com um olhar ou simplesmente vindo sentar-se ao nosso lado, abraçando-nos, pedindo desculpa com uma voz sumida e o olhar de anjo :)… Acredito que será recordado pelos seus amigos como um “Huckleberry Finn”, o amigo que os desafiou a atravessar o rio mais largo, a subir a árvore mais alta, a tentar sempre um pouco mais, talvez mesmo a fazer um dia de gazeta à escola, ou a entrar com os amigos lá em casa sem autorização da mãe :) A sua voz forte e rosto bonito, o ar decidido e deliciosamente convencido, são a marca deste furacão doce, postura amaciada com olhos meigos e um coração de ouro, herdados da mãe...

 

Soube desde novo que tinha um mundo para conquistar e, por isso, é o que faz melhor: conquistou a mãe, os amigos, os professores, a família, o irmão, os desafios… E conquistou-me a mim como só pessoas especiais o conseguem fazer: para sempre :o)… Não vou lá estar, ao seu lado, para poder desfrutar da sua alegria quando der o primeiro beijo de amor, mas consigo imaginar, também aí, a curiosidade com que irá percorrer os rios do afeto, a forma como se deliciará nas margens frescas da paixão, a entrega total aos olhos que o conquistarem, a sensibilidade e delicadeza na forma como lhe pegará pela mão e a guiará, numa jangada da qual se declarará capitão sem bússola, pelos caminhos - ora tranquilos, ora tumultuosos - do primeiro amor da sua vida, do amor que irá encher a mãe de alegria, saudade e orgulho, perante a evidência de que o seu pedaço de alma mais novo cresceu e se confirmou como uma pessoa tão especial e linda. Hoje o brilho que dele emana já tem, e sempre terá, a luz e os gestos da mãe, fantástica, que o ensinou (a ele e ao irmão) a atravessar com confiança os rios desta vida...

 

Obrigado pela boleia que me deste nas tuas primeiras jangadas, com a certeza que, sempre que tivermos uma palhinha na bebida à nossa frente, uma imensa saudade um do outro e uma enorme vontade de rir nos invadirá, mas que rapidamente tentaremos esconder para que ninguém repare e não necessitemos de explicar o porquê :o) Adoro-te, miúdo!... Tchim, Tchim! :o)

  

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