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Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

15
Nov15

De quantas maneiras diferentes o universo já te disse que te amo?

Entre Voos

 

Eu sei que não dás por mim, mas… por vezes vejo-te ao longe, a fazer as tuas compras, concentrada, elegante, leve, fantástica como só tu sabes ser… Mantenho-me a uma distância segura dos teus olhos fascinantes, a uma distância segura do teu perfume magnético, a uma distância segura da linha intransponível que traçaste no chão, como se fossemos duas crianças no recreio da vida. Por vezes olhas à tua volta, talvez por sentires que alguém te observa, talvez porque desejes encontrar o meu olhar fixo em ti, talvez na expectativa de um qualquer acaso por acontecer…

 

De quantos mais acasos precisas? De quantas maneiras diferentes o universo já nos fez acontecer? De quantas maneiras diferentes o universo já te disse que te amo? Quantos “acasos” já eu construí para nós? E em quantos dos teus sonhos te visitei, percorrendo contigo, descalços, a areia da praia onde te roubei um beijo salgado ou, noutro sonho, deitados na tua cama, envoltos pelos lençóis que cobrem a nossa pele suada, recuperando o fôlego no olhar enamorado de um pelo outro? E, enrolada na tua manta, deitada no teu sofá a ver um filme, quantas vezes o universo fez o teu coração emocionar-se com saudades nossas? Quantos carros pretos que cruzaram por acaso o teu caminho diário te fizeram lembrar das estradas que percorremos juntos, do calor da minha mão sobre as tuas pernas esbeltas, ou da linguagem secreta que os nossos dedos, teimosamente enroscados no teu colo, trocavam entre si?...

 

Quantos acasos vale o abraço apaixonado com que sempre envolvi os nossos filhos? Quantos mais acasos precisas que sejam esculpidos nos desejos mais profundos que confesso aos espaços em branco das linhas de todos os textos que te escrevo, para conseguires atravessar essa fronteira que um dia traçaste e vires colocar a tua mão na minha? Nesse dia, prometo, não serão precisas palavras...

 

 

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12
Nov15

Aquele teu vestido Lacoste, azul...

Entre Voos

 

 

O fim de semana anunciou-se com promessas de sol e encontrou-nos juntos. O tempo estava frio, mas a casa mantinha no seu interior o calor do sol que brilhou agradavelmente ao longo do dia. A salinha, acolhedora, convidava-nos a disfrutar de algum tempo tranquilo após mais uma semana de trabalho… A aldeia, já silenciosa naquela hora crepuscular, entregava-nos a paz do som da água que jorrava no fontanário do largo, ali perto. Os pássaros mais atrasados, num chilrear rítmico e puro, apressavam-se a recolher para os ramos dos grandes carvalhos que ladeavam o aglomerado de dez ou doze casas que constituíam o nosso paraíso…

 

Desde que entrámos na casa que alugámos, naquela pequena casa de pedra no meio da aldeia quase deserta, que desejo render-me aos teus lábios e fazer-me refém da tua pele... Coloquei a tocar o CD do Yamamoto Trio, antecipando o toque quente dos teus dedos no meu rosto, sorrindo com gosto pela concretização do tão desejado primeiro fim de semana juntos… Quando apareceste na sala, como que por coincidência, estava a tocar “It Could Happen to You”… Era a conjugação de todos os acasos da nossa vida, todas as ínfimas probabilidades se concretizavam ali, naquele instante: o som cativante do piano, tu e o teu perfume, tu e a tua pele macia, tu e o mundo inteiro à minha frente, tu e a primeira vez que te vi com óculos, tu naquele teu vestido Lacoste, azul, curto e justo, convergiram naquele instante como um vórtice, uma anomalia temporal que ligou passado e futuro emergindo num presente uno, completo e inevitável… Sustive a respiração por momentos, simplesmente arrebatado com tudo o que a tua presença significava enquanto, tão demoradamente como um segundo a conter a eternidade, tomava consciência de que não precisava de mais nada... Aconteceste-me, simplesmente, e foi nesse dia que soube que te iria amar para sempre...

 

Naquele fim de semana fomos todas as coisas que moveram o universo, nós e as promessas que os lábios trocaram, nós e os gestos decididos que nos libertaram da roupa, nós e todos os mistérios que sofregamente descobríamos em cada centímetro quadrado da nossa pele nua, nós e a música que nos tocava por dentro, nós e o mundo inteiro a renascer naquele átimo em que as nossas almas finalmente se reencontraram, com os teus olhos nos meus, as tuas mãos nas minhas e, depois, a explosão rouca, lenta, arrancada do fundo do que somos, num espasmo síncrono de corpo e alma, e outra vez, e outra vez, até nos quedarmos exaustos ali, naquela cama, naquele quarto, para sempre, nós e mais nada, nós, e éramos tudo o que havia… 

 

O piano continuou a ouvir-se durante mais algum tempo, enquanto tu, de olhos fechados e com um sorriso que nos iluminava aos dois, te aninhavas no meu abraço e no nosso amor com a certeza de quem tinha, finalmente, chegado a casa...

 

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08
Nov15

Meia hora para mudar as nossas vidas...

Entre Voos

 

Tens meia hora para mudar as nossas vidas.... Tens meia hora para autorizar a eternidade a descansar, plácida e tranquila ao sol desta varanda, pacificada pelos nossos olhares antigos, pelos nossos olhares interiores. Tens meia hora, amor, para que possamos finalmente terminar esta viagem na procura por aquele lugar que sabemos existir e ao qual pertencemos...

 

Temos meia hora para reconhecer que esse lugar é esta construção diária, sabes, dedicada, é a mesa posta para o almoço e a comida no forno; é esta música tranquila a acariciar-nos o coração; é a fragância inconfundível que a tua pele exala depois do banho quente onde partilhámos o champô com que te lavei, paciente, o cabelo; são os nossos pijamas atirados descuidados para cima dos lençóis onde o nosso amor se demorou pela manhã; é o café com canela, mexido sem açúcar, a acompanhar as nossas conversas tontas; são os ecos do teu riso provocado pelo toque da minha mão a percorrer a pele macia das tuas costas; é a leitura do jornal interrompida por um beijo urgente, com o corpo todo; é um incenso a queimar na sala, lentamente, testemunhando e imortalizando a nossa completude; é a troca de olhares cúmplices ao lembrar da noite de ontem, do filme projetado na parede da sala, sabendo que a estória aconteceu nas nossas mãos dadas, dentro do nosso abraço, pele com pele, vida com vida, eternidade com eternidade...

 

Tens meia hora, amor... Quando vieres da tua viagem por esse mundo para onde sentiste que devias ir, tens meia hora para mudar as nossas vidas... O café está pronto e eu estou na varanda. Vens? 

 

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05
Nov15

O tempo, essa mentira...

Entre Voos

 

 

Nuvens baixas afagam o topo da montanha. Tímidos raios de sol recortam sombras no nevoeiro que lentamente toma posse de árvores e pensamentos. O cheiro adocicado da humidade deixada pela chuva no princípio da tarde, inconfundível, liberta-se do espesso tapete que cobre a estrada, feito de pequenos ramos quebradiços e folhas amarelecidas pelo outono, e invade o ar compondo com elegância o quadro de cores sépia que a estação oferece. Vislumbres de pequenos carreiros, intemporais, sugerem destinos nas encostas que se debruçam, decididas, sobre planícies onde o tempo declarou tréguas à vida.

 

O carro desfila gracioso ao longo do percurso recortado nas encostas da Serra da Estrela, invocando danças familiares com as sensações íntimas que povoam estes espaços, vislumbres de geocaching, ecos de risos de alegria entre descidas na neve e o cheiro da lenha a arder na lareira da pequena cabana de madeira, número 37, que continha o mundo todo... É como aquele pequeno raio de sol que acaricia a pele da mão que agarra o volante e me recorda a grandiosidade e intensidade do Sol para lá das nuvens: da mesma forma, não preciso de te tocar para que os meus sentidos te percorram, conhecedores, habituais…

 

Quando tudo acaba, a dor que nos invade é o sintoma da perda, não apenas de uma parte de nós, mas do todo que éramos. Que homem pode ter sentido esse todo, sobreviver e não sonhar acordado? O vínculo assim construído é como a água que alimenta as raízes da árvore que somos, que se espalham e transbordam para além dos limites da sua dimensão, e que flui na profundidade do ser e de um conhecimento antigo...

 

Senti vontade de encostar o carro e disfrutar da vista arrebatadora sobre o vale que serpenteava a serra. Quando o fiz, deixei-me escorrer para o momento presente, abraçando a paz e tranquilidade dos sons que compunham a realidade: o murmurar do regato que se adivinha por entre a fila de arvores ordenada, lá em baixo; o chilrear das aves que pontilham o céu e presidem sobre o espaço, reclamando tempo e luz às nuvens grávidas de humidade, sérias na sua cor cinzenta; o frio envolvente e ubíquo que tudo liga e anuncia o fim de um tempo e o começo de outro…

 

Concilio-me com o agora que me rodeia e com as memórias que trago dentro… Acredito que o tempo tem um papel importante nessa pacificação, que o tempo nos indicará o lugar onde arrumar essa saudade, que o tempo tudo resolve… Liguei o carro e continuei a minha viagem, repetindo para mim mesmo essa mentira, esculpindo essa vanidade na mente, já ordenando os pensamentos para a reunião que, dali a pouco, eu iria coordenar, sem conseguir evitar uma certa sensação de incompletude...

 

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