Naquele ápice em que os deuses, distraídos, piscaram os olhos...
"É assim que imagino o paraíso..." – disse ela, sorrindo, enquanto as suas mãos procuravam as dele, deitados que estavam na manta estendida no convés superior do barco, por cima da cabina principal, iluminados por milhões de estrelas cintilantes, perfeitas... Ele sorriu-lhe e, após uns segundos de silêncio em que toda a história do mundo se reescreveu, beijou-a suavemente na testa, depois nos olhos e, finalmente, nos lábios mais macios que alguma vez conhecera…
O dia tinha sido passado no barco, explorando o maior reservatório artificial de água da Europa, escorado pela barragem do Alqueva. Naquele dia de verão, a elevada temperatura que se fez sentir foi suavizada com banhos regulares e demorados na convidativa água do lago e, ao final da tarde, também a noite foi aparecendo cálida, convidativa, perfeita, com a via láctea pintada no céu e o ar preechido com as sempre encantatórias sonoridades notívagas. Tinham acabado de rever o filme “Os amigos de Alex” no portátil que ele trouxe, bem juntos, cúmplices, envolvidos pelo ciciar constante da ondução no casco do barco ancorado próximo da margem… Ele voltou-se, por momentos, e colocou o CD da Katie Melua para ouvirem uma versão daquela música que ela gostava...
“É assim que imagino o paraíso…” – disse ele, sorrindo… Beijou-a novamente, puxando-a para si, demorando-se como quem sabe chegou ao seu destino, fazendo do encontro dos seus corpos quentes a desculpa natural para lhe tirar a camisa branca e descobrir os seios nus, perfeitos… Deixou que o seu olhar selasse a pureza daquela fome, incendiando-lhe a pele desfolhada com a carícia húmida da sua língua escaldante. Percorreu, atento e diligente, as paisagens que surgiam nas frases que os olhos dela iam escrevendo no desejo… “Sabia o que era ser mãe; contigo fiz-me mulher…” – segredou-lhe no momento em que lhe entregava a chave do seu jardim secreto… Os dedos dela, arados, sulcaram-lhe as costas lavrando ondas de prazer e, castos, os gemidos de ambos suplantaram a harmonia errática do canto dos grilos e das aves noturnas… No bailado sensual que os seus corpos executaram, advérbios de tempo, modo, lugar e quantidade, agigantaram-se até à explosão inevitável no último movimento, concluindo a mais bela narrativa de amor escrita numa noite de verão…
Deixaram-se estar quietos durante muito tempo, no lugar que sabiam pertencer-lhes desde sempre, sentindo o lento balançar do barco nos braços um do outro, no lugar que o universo esculpiu à medida de cada um. Naquele ápice em que os deuses, distraídos, piscaram os olhos, eles foram felizes, inteiros, foram tudo o que existiu no paraíso… "Ficas comigo? Para sempre?" - perguntou-lhe num sussurro... Apesar do sorriso que surgiu naquele bonito rosto adormecido, não teve a certeza de que ela o ouvira... Pouco depois também ele adormeceu completo, ao lado da mulher da sua vida, com a certeza que eram os donos do mundo…