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Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

18
Abr16

“Só mais cinco minutos, vá lá…”

Entre Voos

 

Acordei… O cheiro a pão acabado de fazer invadiu pacatamente o meu quarto e despertou-me os sentidos. Imiscuiu-se por entre os lençóis que me mantêm quente nesta manhã fria e trouxe-me o adocicado do fermento ainda percetível no odor morno e enfarinhado do pão estaladiço que repousa na máquina que deixei, na véspera, programada para as 6h00. Olho para o telefone e vejo que faltam exatamente onze minutos para as 6h30, hora a que se ouviria uma melodia serena se, entretanto, não tivesse desativado o alarme.

 

Lá fora, os sons da manhã vão preguiçosamente acordando o dia e chegam-me distorcidos, lentos, baços, como se estivesse completamente imerso na água tépida de uma banheira enorme. Coloco os lençóis por cima da cabeça para prolongar essa sensação e, como habitualmente, consigo imaginar-te aqui, onde te encontraria aninhada no meu mundo, sorrindo com um resmungo fingido de “Já é para acordar??”, sorrindo com mimo enquanto me puxarias para ti e pedirias como só os anjos sabem, irrecusavelmente: “Só mais cinco minutos, vá lá…”

 

É nestes momentos de sossego que mais te tenho saudades… não saudades do que fomos, mas saudades de te voltar a conhecer, de te voltar a fazer sorrir como que pela primeira vez, sabes?... Saudades das novas conversas que teríamos, saudades da oportunidade de te cativar o olhar, saudades de entrelaçar distraidamente os meus dedos nos teus, saudades de redescobrir a textura da tua pele naquele toque propositadamente mais demorado, saudades de confirmar a temperatura dos teus lábios ao toque macio dos meus… saudades de sentir contigo tudo aquilo que sinto… saudades de acontecermos, todos os dias, pela primeira vez…

 

Acordei… Mas está bem, vou ficar aqui deitado mais cinco minutos, abraçado a ti, a acariciar o teu cabelo longo, imerso no perfume que deixaste gravado de forma indelével na minha pele… Beijo-te com ternura em cada pálpebra tua, enquanto me deixo embalar pelos silêncios que trocamos e confesso, num suspiro, toda a saudade que me fazes sentir...

 

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08
Abr16

As horas invisíveis...

Entre Voos

 

Lenta e cuidadosamente, o sol que rompe o meu horizonte vai acordando a manhã, transfigurando o quadro de cinzentos anoitecidos num estimulante cenário de cores variadas, repleto de pormenores e vida… A estrada monótona que se recortava na luz artificial dos faróis do carro, ganha significado, revelando-se uma autoestrada com capacidade de transformar o tempo de condução num espaço de liberdade e o zumbido silencioso do motor num sussurro tranquilizador. O sistema de som “Harman Kardon” entrega sem mácula os acordes iniciais de “Catch & Release”, de Matt Simons, enriquecendo a experiência matutina com esta inspiradora e harmoniosa sonoridade...

 

A conduzir há quase duas horas, estas viagens tornam-se vagares de liberdade, portais sensoriais que me transportam para paisagens interiores de mar e memória. Abro o teto panorâmico deixando que a brisa fresca da manhã me acorde sentidos adormecidos e me lembre do toque aveludado da tua mão na minha, a caminho do último fim de semana… Nestes momentos mágicos, nestas horas de quietude e paz, cabem vidas inteiras num piscar de olhos, toda a eternidade num arrepio de pele…

 

Este é o meu espaço... Nele, subo a bordo do barco que navega nos teus olhos, de velas enfunadas, sentindo a maresia no teu perfume, o calor do sol nos teus lábios bem delineados, e o tempo a parar nos gestos arrastados com que compões o teu longo cabelo... Nele, penso em nós sem ruídos nem filtros, cúmplices sem destino nem passado, juntos apenas porque sim, apenas porque nos apetece, apenas porque nos sentimos bem… Nele, componho diálogos imaginários para preencher a tua ausência ou, outras vezes, aproveito o silêncio apenas para usufruir da música que me envolve enquanto, sereno, vou acompanhando a melodia tamborilando com os dedos o volante de couro macio...

 

Aumento o volume do som, sorrio, e oiço-me a cantar o refrão “Everybody got their reason, Everybody got their way, We're just catching and releasing, What builds up throughout the day; And it gets into your body, And it flows right through your blood, We can tell each other secrets, And remember how to love", disfrutando do melhor que temos na vida: tempo e memória... A viagem, cada viagem, transforma-se assim numa máquina do tempo, um relógio mágico cujos ponteiros se movem, não para trás mas, partindo das boas memórias, evoluindo em espiral para novos despertares interiores, dando substância a estas horas invisíveis onde te espero…

 

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02
Abr16

Cúmplices, agarramos o infinito no tempo de uma troca de olhares...

Entre Voos

    

E aqui estamos... O reboliço da refeição e as tarefas dos trabalhos de casa dos miúdos terminaram… A cozinha está arrumada e tudo parece estar no sítio certo… O murmúrio da noite, tranquilo, invade o nosso espaço e escorre pelas janelas ao som de um ou outro carro distante… Imagino-te a entrar no quarto, devagar, com o teu sorriso habitual, na antecipação da trégua merecida no final de mais um dia cansativo, frenético, completo, perfeito…

 

Sentar-te-ias no cadeirão do quarto, aquele cadeirão azul onde deixarias a roupa preparada para amanhã. Tiras o relógio e depois os brincos, com o vagar e a precisão dos gestos familiares, primeiro o da orelha esquerda, depois o da direita… Olhas-me e ris-te, enquanto colocas tudo na prateleira ao lado da cama, num amontoado irrepreensível… Tiras os teus sapatos de salto alto e oiço-te um esboço de satisfação enquanto massajas um dos teus pés… Despes-te… “Porque me olhas assim, oh tonto?” – perguntas, enquanto o teu perfume inspira o meu desejo… Afastas o cabelo dos olhos, deixando que os seus reflexos de sol sobressaiam no pijama que vestiste com cuidado, mesmo sabendo que daqui a pouco te irei despir…

 

Quedar-me-ia silencioso, afastando os lençóis para nos deitarmos… Não quero falar, pois sei que não há palavras para expressar o que vejo, para descrever esta paz que mansamente se espalha no meu peito... Não me ocorrem frases para mais um texto, quando o tema sobre o qual poderia escrever está à minha frente e me observa com a mais bela história de amor a brilhar no olhar… Deitamo-nos e, de forma instintiva, aproximas-te de mim na reconquista diária do teu lugar certo no aconchego do meu abraço…

 

Pensativa, acariciar-me-ias o peito por dentro do meu pijama cinzento… A forma como te aninhas em mim está repleta de sabedoria ancestral, quietude, silêncio, paz e lugares seguros. Olhas-me novamente e ris-te baixinho… A forma como coças o nariz com um dedo e depois inspiras o calor da nossa pele, escancara as portas do meu coração e só me apetece ficar ali a olhar-te, deliciado, a disfrutar do milagre quotidiano de te ter ali, sentindo a magia de um tempo que nos juntou… não consigo evitar que a emoção me atraiçoe quando acomodo o teu rosto no cálice das minhas mãos, para beber dos teus lábios a água que me preenche de vida… Digo que te amo, tu sorris e dizes “Eu também…”

 

Falaríamos um com o outro como se não nos víssemos há séculos, desde a hora do jantar, rindo em sussurros e recordando as peripécias dos apaixonados, trocando as histórias do nosso dia por beijos e carícias meigas… Cúmplices, agarramos o infinito no tempo de uma troca de olhares, imortalizando esses instantes preciosos antes de se tornarem doces memórias, preenchendo a vida que vai dançando, inexorável, em direção à linha do horizonte…

 

Na penumbra da noite tudo se abrevia em tons de cinzento, mas sorrimos porque sabemos que dentro de nós perduram infinitas cores que pintam a distância dos nossos dias... “Para a minha alma aprendiz, és todos os sonhos e desafios que um dia desejei, na mulher fantástica a que pertenço...” – diria enquanto, com o cuidado e a candura de uma primeira vez, libertava os botões do teu pijama e me entregava a ti, novamente…

 

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15
Mar16

Quando esse dia chegar, senta-te ao meu lado e pede-me que fale de ti...

Entre Voos

 

Chegará um dia em que não te lembrarás do primeiro dia em que nos vimos. Chegará um dia em que já não preencherei o teu universo e tu já não chegarás ao final da tarde ansiosa pelo calor dos meus braços. Chegará um dia em que as alianças que um dia oferecemos um ao outro te parecerão grilhões sem sentido...

 

Haverá um dia em que a nossa viagem parecerá demasiado longa e o silêncio entre nós, dantes tranquilo, te parecerá incómodo. Haverá um dia em que a minha pele te parecerá áspera e a minha voz irritante e mesmo o mel dos meus lábios, outrora doce, te saberá amargo. Chegará um dia em que a minha barba, ao invés de um delicioso arrepio sensual, te provocará apenas desconforto. Haverá um dia em que a tua mão macia aninhada na segurança da minha te parecerá um afeto desnecessário. Chegará um dia em que os caminhos da nossa descoberta conjunta te parecerão erros imperdoáveis, e as nossas fotos, em vez de memória, ocuparão apenas espaço no teu computador. Chegará um dia em que os meus textos de amor, que ontem adoraste, te soarão apenas como palavras alinhadas, ocas. Haverá um dia em que os meus passos nas escadas, no passado esperados com alegria, substituirão a saudade do abraço pela desilusão da presença controladora...

 

Eu sei… Chegará um dia em que a tentativa dos meus dedos para acariciar o teu cabelo te provocará apenas um recuo, e a borboleta que outrora esvoaçava no teu estômago quando ouvias a minha voz, se retirará para um casulo bem lá no fundo de ti. Chegará um dia em que não mais recordarás todas as viagens que fiz para ir ter contigo a todas as cidades onde estavas, em que perderás no nevoeiro dos dias iguais os sonhos que voei contigo nos beijos que te dei. Haverá um dia em que os teus olhos transportarão lágrimas amargas e o teu coração não me sentirá da mesma forma… Haverá um dia em que para ti me tornarei dúvida e não conseguirás ver que em mim continuas certeza…

 

Quando esse dia chegar, senta-te ao meu lado e pede-me que fale de ti... E depois ouve-me a falar da chuva que nos encontrou abraçados no meio de um prado naquela ilha fantástica, ou do vento que soprou os teus cabelos quando te disse, olhos nos olhos, que te amava… Falar-te-ei do calor da tua pele e da incontida felicidade de ter simplesmente as mãos dadas contigo sem precisar de mais nada no mundo; falar-te-ei dos olhos pelos quais todos os dias me apaixono e na forma como mudam de cor quando estás alegre, triste ou chateada… Falar-te-ei das músicas que gostas e das cores que detestas, e dos seis sorrisos diferentes que me consegues fazer, e do calor que a tua alma me transmite quando estamos juntos, e do desejo que incendeias em mim quando te aproximas, sedutora… Falar-te-ei da primeira vez que nos amámos iluminados pela lua cheia e nos prometemos “para sempre”... Falar-te-ei de como o reflexo da luz no ouro dos teus longos cabelos me deixa sempre sem respiração e de como o teu perfume me faz sentir o homem mais sortudo do mundo... Pede-me para falar de ti, mas não te admires se eu apenas conseguir dizer o teu nome, outra e outra vez, com um sorriso apaixonado a contornar o meu rosto enquanto seguro as tuas mãos, as mãos que me definem... Quando esse dia chegar, amor, senta-te ao meu lado e pede-me que fale de ti...

 

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18
Fev16

É abraçado a ti que todas as noites adormeço…

Entre Voos

 

Os habituais barulhos da cidade já se calaram há muito tempo. De perto, chegam-me os sussurros tranquilos do mar a cortejar a areia, numa dança diária, cuidada e paciente… A chuva fria que desaba a intervalos regulares, esbate os contornos da noite emprestando uma cintilação difusa às formas naturais que se adivinham ao longo da praia… O vento forte de hoje devolve-me o cheiro do sal roubado ao mar, impregnando os meus sentidos com este bálsamo único, premiando o meu torpor com este desmedido espetáculo, como se as forças da natureza tivessem conspirado entre si para hoje me gratificarem com o seu melhor desempenho… Mas noite alguma será capaz de me esconder o caminho até ti…

 

Sereno, observo da janela da sala, como se de uma tela enorme se tratasse, os milhares de tons de cinzento escuro e negro que compõe o céu… Volto-me e, em cima do sofá comprido e espalhadas à volta da guitarra, vejo as folhas com as letras e acordes das músicas que estive a tocar… Seguro na mão uma chávena de chá preto que saboreio encostado ao vidro da janela, na tentativa de afastar o frio que teima em se demorar dentro do peito… Ainda vibram em mim os acordes da música que toquei para ti. Os meus dedos percorreram as cordas da guitarra como se fossem fios do teu longo cabelo loiro e, durante esse tempo, senti que estavas ali, ao meu lado, com o rosto apoiado entre as tuas mãos, sentada em cima das tuas longas pernas cruzadas, ouvindo-me com uma manta à tua volta e, nos lábios, aquele sorriso que me ilumina…

 

Dói-me a distância que nos separa, rendido que estou às saudades que te tenho. Nenhuma das viagens que fiz te trouxe para mais perto, nem acalmou a nostalgia que os meus gestos e pensamentos denunciam. Olho para este lago interior e ele devolve-me sempre, teimoso, o reflexo do teu rosto sorridente... Tenho saudades das tuas pequenas coisas... De encontrar um cabelo teu no meu pullover azul; de te ver a colocar o batom, de manhã, em frente ao espelho, enquanto falas comigo e eu a cair para dentro dos teus lábios; de chegar ao armário e ter que desviar uma camisa tua, branca, no meio das minhas; de encontrar um brinco teu, ou um anel, na nossa mesa de cabeceira; de, ao fazer a cama de manhã, ser despertado pela clara insinuação do perfume que sempre deixavas nos lençóis; enfim, saudades de ti…

 

E depois estou cansado de responder aos outros: “Bom dia, sim, está tudo bem”, “Sim, bem melhor, o trabalho ajuda”… quero dizer-lhes que me fazes falta; gritar que te amo tanto como sempre amei; quero dizer-lhes que nada consegue atenuar a falta que me fazes ao sentido dos dias; que por vezes, nas minhas refeições solitárias, saboreio de memória o gosto do teu arroz doce, a textura do teu delicioso rolo de carne; quero dizer-lhes que me faz falta a luz do teu olhar, a segurança do teu abraço, a magia doce do teu perfume; que me faz falta percorrer a tua pele macia para nela saciar a sede da minha; que me falta a paz do teu coração e o sossego que as tuas mãos transmitem ao acariciar o meu peito… Posso ter-te perdido dos meus dias, mas é abraçado a ti que todas as noites adormeço: amo-te, sabes?...

 

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