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Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

10
Mar16

Amar-te, apesar de tudo...

Entre Voos

 

O sol entra determinado pelas janelas abertas da minha sala, aquecendo-me a pele enquanto bebo um chá, acabado de fazer. Aproveitei um intervalo nesta tarde de trabalho e peguei na minha viola para tocar um pouco e, inevitavelmente, os meus pensamentos vão-se aproximando de ti… primeiro lentamente, como o som tranquilo e sempre presente de um riacho de águas cristalinas que serpenteia o caminho que percorro e depois, ensurdecedor, invade-me com o estrondo da cascata em que o riacho se transforma, escondida no meio dos pensamentos, que me tira a respiração e o equilíbrio com a névoa que se desprende da sua existência… O teu silêncio consegue fazer tanto barulho dentro de mim…

 

Cada instante usado a pensar no passado é um momento a menos na construção de um novo futuro… Um futuro que se quer feito com cuidado e com esperança. Um futuro construído querendo passar mais momentos um com o outro… Falando do tempo… Falando do dia… Dando as mãos de vez em quando… Reaprendendo os significados que se intuem nas palavras ditas e nos silêncios do outro, construindo a compreensão interior na linguagem de luz que nos une, muito para além daquilo que os ouvidos ouvem e os olhos veem…

 

Amar “porque…” isto ou aquilo é amar sem razão, pois cada “porque…” desse amor, eventualmente, desaparecerá… Prefiro amar “apesar de...”, pois sei que haverá sempre algo que nos fará ficar de mãos dadas “apesar de” não ser perfeito, até porque a perfeição não existe… Apesar de toda a imperfeição que encontramos no outro/a, é com ele/a que queremos fazer a viagem da nossa vida. Conhecer as diferenças especiais de uma pessoa e, apesar disso, continuar a amar aquele ser fantástico pelo que autenticamente é e pela luz que nos empresta à vida será, provavelmente, o verdadeiro caminho, a derradeira viagem…

 

Saudades de sentir a magia ao passar os dedos no teu cabelo... Falta de sentir o teu abraço apaixonado que me fez viver um amor do tamanho da eternidade... Sentir a vida fluir na perfeição com que a tua cabeça encaixava na curva do meu pescoço, sentir a razão de sermos um, sem sermos o mesmo, na forma como um dia adormecemos abrigados um no outro, em concha, sonolentos, felizes, seguros… Anseio por voltar a dançar ao som do teu riso... Que a tua pele volte a encontrar o caminho para a minha e, juntas, celebrem a vida... Quero que o teu coração não esqueça que um dia conheceu o seu lugar no aconchego de uma viagem, um instante eterno, dentro do meu peito... Quero voltar a mergulhar na paz dos teus olhos, para encontrar a minha coerência... Fizeste de mim uma pessoa melhor, com mais sentir, com mais esperança, com mais alegria, com menos receio de mudar certezas e projetos... E depois, sempre que a brisa me traz o teu perfume ou a memória uma lembrança tua, uma borboleta insiste em esvoaçar dentro de mim, não apenas "porque te amo", mas por te amar “apesar de tudo”... 

 

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06
Mar16

Não tenho a certeza se me deste a mão naquele instante, ou se já nascêramos assim...

Entre Voos

 

Lembras-te?... O nascer do dia apanhava-nos invariavelmente a fugir pelas esquinas recortadas daquela aldeia antiga: tu nos teus trapos de princesa, eu com os meus melhores calções desbotados de cavaleiro andrajoso, e o nosso fiel rafeiro a fazer o papel de elegante corcel. Com o pão quente a queimar-nos a pele das mãos e os gritos dos incansáveis padeiros em nossa perseguição, escapávamos por entre becos e vielas, felizes com a antecipação do momento em que desfrutaríamos de tão delicioso e requintado banquete…

 

Ao virar da rua lamacenta, o fumo baixo das chaminés das pequenas oficinas dos ferreiros, qual nevoeiro mágico, encobria definitivamente a nossa fuga e emprestava leveza à eternidade que prometias no som que fazias ao dobrar o riso, o rosto a explodir com a excitação da aventura, o coração a bater descompassado com receio de sermos apanhados…

 

Foi naquela casa velha, a caminho do regato onde as criadas dos senhores das casas nobres lavavam a roupa, que demos o nosso primeiro beijo… Tolhidos atrás de um muro em ruínas que fizera parte de um quarto outrora vivo, os primeiros raios de sol daquela inesquecível manhã de inverno tocaram ao de leve no teu rosto, e lograram descobrir o ouro que trazias pendurado no fio dos teus longos cabelos… Não tenho a certeza se me deste a mão naquele instante, ou se fora durante a nossa correria, ou se já nascêramos assim... mas sei que estávamos de mãos dadas porque a tua mão estava a apertar a minha como se nunca mais me fosses largar…

 

Os olhos mais belos que alguma vez conheci brilharam envergonhados e, depois, lentamente, desviaram-se para o pão esquecido sobre o nosso colo. Partiste um pouco do teu e colocaste-o na minha boca, soltando uma gargalhada nervosa. Eu copiei o teu gesto, e dei-te um fragmento de um dos meus, ao que reagiste corando como só as princesas fazem… Trocámos os nossos votos assim, em silêncio, fitando-nos sem nunca mais desviar o olhar um do outro… Dei-te o primeiro beijo ali, casto como a inocência dos nossos frescos anos, puro como o nascer de um amor inevitável e eterno, como o reencontro de almas ancestrais...

Lembras-te?...

 

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26
Jan16

Naquele ápice em que os deuses, distraídos, piscaram os olhos...

Entre Voos

 

 

"É assim que imagino o paraíso..." – disse ela, sorrindo, enquanto as suas mãos procuravam as dele, deitados que estavam na manta estendida no convés superior do barco, por cima da cabina principal, iluminados por milhões de estrelas cintilantes, perfeitas... Ele sorriu-lhe e, após uns segundos de silêncio em que toda a história do mundo se reescreveu, beijou-a suavemente na testa, depois nos olhos e, finalmente, nos lábios mais macios que alguma vez conhecera…

 

O dia tinha sido passado no barco, explorando o maior reservatório artificial de água da Europa, escorado pela barragem do Alqueva. Naquele dia de verão, a elevada temperatura que se fez sentir foi suavizada com banhos regulares e demorados na convidativa água do lago e, ao final da tarde, também a noite foi aparecendo cálida, convidativa, perfeita, com a via láctea pintada no céu e o ar preechido com as sempre encantatórias sonoridades notívagas. Tinham acabado de rever o filme “Os amigos de Alex” no portátil que ele trouxe, bem juntos, cúmplices, envolvidos pelo ciciar constante da ondução no casco do barco ancorado próximo da margem… Ele voltou-se, por momentos, e colocou o CD da Katie Melua para ouvirem uma versão daquela música que ela gostava...

 

“É assim que imagino o paraíso…” – disse ele, sorrindo… Beijou-a novamente, puxando-a para si, demorando-se como quem sabe chegou ao seu destino, fazendo do encontro dos seus corpos quentes a desculpa natural para lhe tirar a camisa branca e descobrir os seios nus, perfeitos… Deixou que o seu olhar selasse a pureza daquela fome, incendiando-lhe a pele desfolhada com a carícia húmida da sua língua escaldante. Percorreu, atento e diligente, as paisagens que surgiam nas frases que os olhos dela iam escrevendo no desejo… “Sabia o que era ser mãe; contigo fiz-me mulher…” – segredou-lhe no momento em que lhe entregava a chave do seu jardim secreto… Os dedos dela, arados, sulcaram-lhe as costas lavrando ondas de prazer e, castos, os gemidos de ambos suplantaram a harmonia errática do canto dos grilos e das aves noturnas… No bailado sensual que os seus corpos executaram, advérbios de tempo, modo, lugar e quantidade, agigantaram-se até à explosão inevitável no último movimento, concluindo a mais bela narrativa de amor escrita numa noite de verão…

 

Deixaram-se estar quietos durante muito tempo, no lugar que sabiam pertencer-lhes desde sempre, sentindo o lento balançar do barco nos braços um do outro, no lugar que o universo esculpiu à medida de cada um. Naquele ápice em que os deuses, distraídos, piscaram os olhos, eles foram felizes, inteiros, foram tudo o que existiu no paraíso… "Ficas comigo? Para sempre?" - perguntou-lhe num sussurro... Apesar do sorriso que surgiu naquele bonito rosto adormecido, não teve a certeza de que ela o ouvira... Pouco depois também ele adormeceu completo, ao lado da mulher da sua vida, com a certeza que eram os donos do mundo…

 

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20
Jan16

A casa da praia...

Entre Voos

 

A casa da praia é um sítio mágico... Acordo tranquilo, com um dia inteiro, novo, pela frente. Quieto, absorvo o calor que me aconchega por baixo do edredão e, lentamente, vou tomando consciência do som das vagas que se deitam incansavelmente na areia da praia, lá ao fundo. Este som ritmado, tranquilizante, energizante, está sempre presente aqui, na casa da praia: abraça-nos com a inevitabilidade dos dias e das noites, a banda sonora ideal para compor a essência solitária no encontro comigo próprio. Medito, dando as boas vindas ao que o dia me ofertará…

 

Depois do pequeno almoço frugal, inicio uma caminhada na descoberta de novos caminhos de areia, pedras e erva rasteira, por entre pinheiros e canas, ao encontro da praia prometida no espanto sonoro entregue pela brisa fria que me deixa as mãos e o rosto vermelhos. Dentro de mim sinto a calma a tomar conta dos pensamentos e até os meus passos determinados se tornam demorados, alinhado que estou com o agora, com os cheiros a mar, a verde, a vida, a espaço, a tempo, a ti…

 

Ao chegar à praia não me teria admirado ver-te ali, sabes?, naquela duna, sentada numa toalha para te protegeres da humidade matinal que a areia absorveu, embrulhada no teu casaco quente, confortável, com o vento a alisar-te o cabelo, os olhos entregues à paz que o mar devolve, refugiada no teu jardim interior, naquele sítio para onde um dia me levaste pela mão e onde descobrimos o sentido de todas as coisas… Percorro a praia devagar, pensativo, sentindo a areia debaixo dos meus pés, sentindo o frio, sentindo o vento, sentindo a força do mar que, determinado, vai acariciando a terra e pacientemente beijando a areia, dia após dia, após dia, após dia...

 

Em casa, na ampla sala que se abre para a praia, dispersa-se no ar a fragância do incenso a Nag Champa que acabei de acender dentro daquela pequena caixa de madeira rendilhada, trazendo-te para o meu lado… Sinto que as nossas vidas são preciosas e, enquanto o meu olhar se dirige para lá - para aquele lugar eterno que só nós conhecemos -, uma calma tépida, pacificadora e empática, submerge os meus sentidos e arrasta-me para a cadência segura das vagas que se deitam continuamente na areia da praia, lá ao fundo, mágica, em que todos os caminhos me levam para ti, sem urgência nem hesitações, como sempre foi... 

 

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14
Jan16

Papel de carta...

Entre Voos

 

É noite dentro: já passa das duas da manhã… No ar ouve-se o zumbido reconfortante do ar condicionado que mantém aquecido o ambiente da sala, dispersando o aroma do incenso que arde no queimador em cima da pequena mesa de madeira, ao lado do sofá... Quando lhe enviou a carta, optou por fazê-lo usando o correio normal em detrimento do e-mail: não era a rapidez que lhe interessava, mas a solidez que o papel emprestava às palavras que escrevera... Na realidade, tinha a esperança de conseguir sentir quando as mãos dela, macias, abrissem a carta. Quando ela percorresse com a ponta dos dedos, devagar como era seu hábito, as linhas por ele escritas, seria o mais perto que tinham estado um do outro nos últimos meses… era como se lhe pudesse tocar novamente, através do papel de carta, ao de leve, na sua pele de algodão… Só por isso já valera a pena.

 

A carta seguiu logo após do Natal, mas chegou já depois da primeira semana do novo ano, demorando-se por entre os milhares de postais de boas festas que naquela altura circulam através dos correios. Era a sua forma de lhe relembrar o quanto a amava mostrando-lhe que, apesar da fragilidade do ser humano e dos erros tontos que por vezes homens e mulheres fazem, a verdadeira essência do que somos, a verdade da alma, está nas coisas simples da vida... E então tentou descrever-lhe como as coisas habituais do dia a dia o faziam lembrar-se dela e da forma deslumbrada como a amava em todas as coisas simples da vida…

 

Recortou pequenos corações de cartolina (como um dia fez para vestir as paredes do quarto deles) e imaginou a surpresa que lhe passaria pelo rosto quando, inevitavelmente, os corações caíssem para a mesa ao retirar a carta do envelope… Que imagens dele lhe terão passado pelos olhos nesse instante? Que saudades demoradas lhe percorreram a pele num arrepio? Quantas vezes a releu sentindo em cada palavra o mesmo aperto no coração que ele ao escrevê-la? Quantas lágrimas silenciosas acompanharam o sorriso que lhe aflorou os lábios? Quantas vezes terá acariciado o papel tentando lembrar-se da sua voz em cada palavra, do seu perfume em cada vírgula, do seu rosto em cada letra? Quantas vezes releu aqueles parágrafos até decidir guardá-la definitivamente ao pé das outras cartas, na caixa de papelão que ainda subsiste na última gaveta do seu roupeiro?...

 

A noite já lhe pesa nos olhos. De repente sentiu-se inundar de saudades, saudades de, ao deitar, lhe dar um beijo leve para não acordar aquele anjo, saudades de ver a sua roupa na poltrona, já preparada para se vestir rapidamente de manhã... Saudades de a ter ali, no lugar que é dela, aninhada no seu peito… Só por isso já valera a pena…

 

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