Cúmplices, agarramos o infinito no tempo de uma troca de olhares...
E aqui estamos... O reboliço da refeição e as tarefas dos trabalhos de casa dos miúdos terminaram… A cozinha está arrumada e tudo parece estar no sítio certo… O murmúrio da noite, tranquilo, invade o nosso espaço e escorre pelas janelas ao som de um ou outro carro distante… Imagino-te a entrar no quarto, devagar, com o teu sorriso habitual, na antecipação da trégua merecida no final de mais um dia cansativo, frenético, completo, perfeito…
Sentar-te-ias no cadeirão do quarto, aquele cadeirão azul onde deixarias a roupa preparada para amanhã. Tiras o relógio e depois os brincos, com o vagar e a precisão dos gestos familiares, primeiro o da orelha esquerda, depois o da direita… Olhas-me e ris-te, enquanto colocas tudo na prateleira ao lado da cama, num amontoado irrepreensível… Tiras os teus sapatos de salto alto e oiço-te um esboço de satisfação enquanto massajas um dos teus pés… Despes-te… “Porque me olhas assim, oh tonto?” – perguntas, enquanto o teu perfume inspira o meu desejo… Afastas o cabelo dos olhos, deixando que os seus reflexos de sol sobressaiam no pijama que vestiste com cuidado, mesmo sabendo que daqui a pouco te irei despir…
Quedar-me-ia silencioso, afastando os lençóis para nos deitarmos… Não quero falar, pois sei que não há palavras para expressar o que vejo, para descrever esta paz que mansamente se espalha no meu peito... Não me ocorrem frases para mais um texto, quando o tema sobre o qual poderia escrever está à minha frente e me observa com a mais bela história de amor a brilhar no olhar… Deitamo-nos e, de forma instintiva, aproximas-te de mim na reconquista diária do teu lugar certo no aconchego do meu abraço…
Pensativa, acariciar-me-ias o peito por dentro do meu pijama cinzento… A forma como te aninhas em mim está repleta de sabedoria ancestral, quietude, silêncio, paz e lugares seguros. Olhas-me novamente e ris-te baixinho… A forma como coças o nariz com um dedo e depois inspiras o calor da nossa pele, escancara as portas do meu coração e só me apetece ficar ali a olhar-te, deliciado, a disfrutar do milagre quotidiano de te ter ali, sentindo a magia de um tempo que nos juntou… não consigo evitar que a emoção me atraiçoe quando acomodo o teu rosto no cálice das minhas mãos, para beber dos teus lábios a água que me preenche de vida… Digo que te amo, tu sorris e dizes “Eu também…”
Falaríamos um com o outro como se não nos víssemos há séculos, desde a hora do jantar, rindo em sussurros e recordando as peripécias dos apaixonados, trocando as histórias do nosso dia por beijos e carícias meigas… Cúmplices, agarramos o infinito no tempo de uma troca de olhares, imortalizando esses instantes preciosos antes de se tornarem doces memórias, preenchendo a vida que vai dançando, inexorável, em direção à linha do horizonte…
Na penumbra da noite tudo se abrevia em tons de cinzento, mas sorrimos porque sabemos que dentro de nós perduram infinitas cores que pintam a distância dos nossos dias... “Para a minha alma aprendiz, és todos os sonhos e desafios que um dia desejei, na mulher fantástica a que pertenço...” – diria enquanto, com o cuidado e a candura de uma primeira vez, libertava os botões do teu pijama e me entregava a ti, novamente…