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Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

27
Nov15

Ensinaste-me a ver de olhos fechados, sabes? Foi quando vi melhor e mais longe…

Entre Voos

 

 

“Ter-te foi como respirar pela primeira vez…” – confidenciou-lhe enquanto lhe agarrava as mãos dentro das suas… "Como o poderia descrever?" – pensou para si – "Não é fácil falar daquilo que nos forma ou do que nos dá forma." Fechou os olhos e pousou as mãos tão cheias de esperança, devagar, nos joelhos, enquanto tentava explicar-se: “Ensinaste-me a ver para lá do visível. Em ti descobri novos horizontes: cordilheiras de neve com picos inacessíveis; planícies verdejantes e cheias de vida; uma casa de madeira lá longe e um alpendre onde passar a tarde; emoções com a intensidade da vida toda; vi passado e futuro no brilho dos teus olhos; na palma das tuas mãos descobri mundos sem fronteiras e a minha alma desnudada… Contigo vivi coisas e escutei sonoridades para as quais ainda não foram inventadas palavras que as possam descrever…”, disse-lhe, deixando o olhar demorar-se para lá das janelas do café.

 

A chuva regressou mais forte, enquanto o cacau lhe aquecia as mãos frias do tempo… “O toque da tua pele não é apenas o toque de uma pele” – esclareceu – “mas o lugar certo onde moro e me abrigo, onde me visto, onde me prolongas a alma e perpetuas o desejo.”... Enquanto o olhar dele subia das suas mãos para encarar o rosto bonito que o fitava, continuou: “Os teus olhos não são apenas olhos que me veem, mas o rio onde mergulho e encontro a paz e tranquilidade que preciso, são um porto de abrigo. O teu beijo ensinou-me que esse simples ato pode ser mais que um tocar de lábios: é tanto a tempestade furiosa que me tira o fôlego, como a brisa refrescante que me sossega numa tarde de verão, enquanto descansamos abraçados numa cama de rede…”

 

“Que queres que te diga?...” – desculpou-se, para preencher o silêncio dela – “Quando a tua alma tocou a minha, foi aí que aconteceu… libertaste as minhas memórias... quer dizer, as memórias de um passado distante, as memórias de um amor mais antigo que o tempo, memórias do teu olhar apaixonado, dos nossos filhos nascidos e daqueles por nascer… a memória de uma lágrima quente a escorrer de alegria num sorriso teu, a memória de uma doce melodia transportada pelo teu riso, ou a textura de seda que as tuas palavras cuidadas entregam ao meu abraço.”

 

Afastou-se um pouco para trás quando ela lhe tentou silenciar as palavras nos lábios com dois dedos, para não se lembrar de quão macias as suas mãos conseguiam ser... Endireitou-se, inevitável, e continuou: “Ensinaste-me a ver de olhos fechados, sabes? Foi quando vi melhor e mais longe… Acho que é isso, o amor... E com o amor vem a fé e a esperança… Fé no que sentimos, esperança no que os outros sentem… És a linguagem com que o mundo me fala… És a forma do meu coração… E é isso que não te perdoo, sabes?: passar a vida ao lado da tua ausência... Não te perdoo por me teres ensinado a amar assim..." Depois, parecendo por momentos hesitar em tomá-la nos braços para a beijar, optou por citá-la, como se de um ponto final se tratasse: "Se não era para me fazeres voar, não me devias ter tirado os pés do chão!"...

 

Num relance, reparei que tocava no seu dedo anelar da mão esquerda, na aliança de prata, baça, que provavelmente tinham comprado juntos, num dia feliz... Retirou-a lentamente do dedo e colocou-a em cima da mesa, perto dela, como quem lhe pedia para não a receber de volta, como quem entregava ali a vida toda, como quem depositava ali o coração, rendido à mulher que amava... Passou ao lado da minha mesa quando saiu para o dia chuvoso, sem olhar uma última vez para trás e sem reparar no meu embaraço por inadvertidamente ter ouvido aquela conversa... Não me pareceu que ele a fosse esquecer nunca, a ela, à mulher da sua vida...

 

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