“Estou com saudades de ti, meu desejo…”
A diferença de horas fazem-me estar acordado enquanto tu dormes. Já passa da meia-noite aqui...
Sabes que acordo sempre contigo dentro de mim? Os meus primeiros pensamentos do dia são-te dirigidos, para tirar partido da sonolência e do calor que começa a entrar no quarto, enquanto percorro a cama de uma ponta à outra à tua procura… Que sonhos te aconchegam à noite na cama, quando te deitas? Que ausências e saudades se espalham nos teus lençóis? Que medos te incomodam e a quem dás a mão nessa altura? Que destino procura a tua pele na noite fria? Quantos dos teus sorrisos passam por mim? Como será o teu acordar? Imagino o teu beijo, o teu corpo a aninhar-se no meu, os teus primeiros olhares tranquilos e deliciosos enquanto os meus braços te puxam para mim, o teu perfume a envolver-me e o olhar dos teus olhos bem dentro dos meus...
Nunca pensei que amar fosse assim, nem que um grande amor poderia perder-se. Creio que fiz tudo mal: deslumbrei-me com o que sentia, com o que me fazias sonhar, com a perfeição dos nossos sentimentos, com a pureza dos teus olhos… “Estou com saudades de ti, meu desejo…”. É de facto muito difícil "ser" sem ti, ficar assim a olhar para o que poderia ter sido, a olhar para a imensidão do amor que transborda do meu peito todos os dias quando, de manhã, os meus braços insistem em procurar-te ao meu lado nos lençóis e a minha pele anseia pela frescura da tua…
Esta casa que é o meu coração é habitada por ti, a título definitivo, e sem espaço demarcado: todo ele é teu. Deambulas por aqui sem te fazeres anunciar, ora no perfume que a brisa me traz, ora na lembrança de uma praia onde nos amámos, ora num riso que me faz voltar a cabeça… Em tudo o que existe, és tu que me guias… Apetece-me ir ter contigo quando chegar a Lisboa, apetece-me dar-te mimo, ouvir a tua voz quente, tocar a tua pele macia, dar-te um abraço pacificador, beijar as tuas mãos...
Aceita este poema da Florbela, que transporta o meu sentimento até ti:
"Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.
Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais doidamente me lembrar de ti!
E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!
(Saudades, Florbela Espanca, "Livro de Sóror Saudade")