Não há em mim silêncios nem espaços vazios...
Os gestos diários e demorados que desajeitadamente exponho de forma mecânica, escondem a dor que cada movimento me provoca, na certeza da sua inutilidade: para onde ir quando deixaste de ser o destino de todas as minhas viagens?... Para onde ir quando se falhou a última paragem e não há como regressar?.. Continuar apenas porque parar é pior? “Que fazer quando tudo arde”, quando tudo nos queima por dentro e, mesmo assim, temos de sobreviver?
O silêncio que me rodeia é preenchido pelo eco dos teus passos elegantes, recortados aqui e ali pelo teu riso solto que um dia tudo encheu... Cruel, o teu perfume inconfundível teima em se demorar pelos cantos do que ainda sou, deixando-me cheio de ti. Não há em mim, por isso, silêncios nem espaços vazios: aqui um sorriso triste pendurado no canto da boca, ali uma luz forte que nada ilumina, recortes de momentos felizes espalhados pelo chão da sala e pelas paredes do quarto, cheiro de crepes pela manhã que se arrastam na cozinha, sons perdidos das tardes de abraços no exíguo sofá branco, demasiado grande para o nosso abraço apertado, demasiado pequeno para o mundo que íamos descobrindo…
Que saudades de te ter aqui, amor, quando tudo era simples e a felicidade estava na luz dos teus olhos… que saudades de te ter ao meu lado sentindo-me completo, em harmonia com a essência do que sou, enfim, em paz, sabes? Saudades dos momentos em que não precisava de mais nada porque o meu mundo estava ali a olhar para mim e a sorrir-me…
Percorro agora estas estradas sem olhar para trás (não posso olhar para trás, não me atrevo a olhar para trás), estradas que, sei, me levam cada vez para mais longe de ti, mas sem alternativa: “onde não puderes amar, não te demores” (Frida Kahlo)… Como arrancar a razão de ser do nosso coração, da nossa alma, da nossa pele e continuar vivo? Que nos aconteceu?
Nesse barco, deitei tudo fora até só ficar a minha alma nua, que sempre foi tua, o meu amor a descoberto, o meu amor feito olhos brilhantes, o meu amor feito mimo de abraços apertados, flores que na realidade queriam ser jardins, dedicação que queria ser prova, aceitação do que me ias dando e, finalmente, resignação por saber que aquilo era o teu “tudo o que é possível”… Mas, eu compreendo-te: depois de termos vivido a eternidade das estrelas nos olhos de um amor como o nosso, como aceitar olhar apenas para as fotografias do que fomos? Como sobreviver entre momentos fugazes de alegria ensurdecedora logo seguidos de silêncios que nos apunhalam devagar, cada vez mais fundo e metodicamente, silêncios que nos consomem a força vital? Como conseguir acomodar todo o amor de que somos feitos, numa nota de rodapé da página de um livro que já não conta a nossa história?...
Vou absorvendo devagar, primeiro na pele que se arrepia com a memória do teu toque, depois na alma que um dia se iluminou com a tua chama, o perdão das escolhas, a inevitabilidade das consequências das nossas decisões... Vou mergulhando nessa perda, devagar... O mais difícil são as memórias, o continuar a ver-te nos olhos de cada estranho, o ouvir-te rir em todos os espaços, o não conseguir deixar de desejar que aquele sorriso ali fosse o teu, que aquela voz fosse a tua, que te aproximasses de mim com o teu habitual beijo pontuado de amor e desejo… Por isso, não, ainda não há em mim silêncios nem espaços vazios: a imensidão da tua ausência ainda aqui habita e se demora…