Os resquícios que deixaste no baú dos nossos dias felizes...
Dizem que, quando nascemos, nos é dada a possibilidade de experimentar dois ou três milagres, talvez quatro, com sorte, e que isso acontecerá algures ao longo da nossa existência... Mas a vida não é um exercício de estética: não se pode voltar atrás para corrigir palavras, vírgulas, nem para substituir ou alterar parágrafos para o texto ficar mais interessante... A vida não é sempre perfeita, de chão limpo, gavetas com as roupas simetricamente arrumadas, a face bonita com olhos retocados com rímel, as refeições à luz das velas, o ramo de rosas vermelhas em que cada uma conta uma história, o sexo incendiado, o amor tranquilo, os gestos acertados em cada momento, o beijo do tamanho da eternidade… A vida acontece pura e simplesmente: abraça-nos, despenteia-nos, agride-nos, ama-nos, eleva-nos, açoita-nos, mima-nos, leva-nos por bons caminhos, noutras vezes por dolorosos caminhos, mas todos eles percursos que se fazem caminhando, tentando, acreditando e melhorando, ora gritando de alegria, ora em recolhido silêncio e paz…
O nosso caminho foi... foi o nosso caminho: irrepetível, irretocável, foi o que foi, nem melhor nem pior do que deveria ter sido, foi exatamente perfeito na medida daquilo que todas as nossas opções fizeram dele. E nessa singularidade foi fantástico, maravilhoso, intenso, total, louco, belo, completo... Não foi por acidente que assim foi, mas por opção. Nesse voo fantástico o nosso abraço foi constante, cúmplice, de confiança mútua nas decisões que tomámos, de mãos dadas nas descobertas que fazíamos e, de facto, foi uma viagem incrível :o)
Na vida as palavras não são sempre certas (ahh, as histórias perfeitas na tua pele…), a música não é sempre ajustada (ahh, a doçura melodiosa da tua voz…), o momento não é sempre o melhor (ahh, o teu beijo sempre oportuno…). A vida são as nossas escolhas, as nossas decisões, as nossas aproximações e afastamentos, a nossa alegria e a nossa dor. São os amigos, os filhos, as hesitações, as certezas, as indecisões… Viver é também deixar lugar ao tempo, à paciência, ao crescimento, é acreditar que fazemos o melhor que conseguimos em todos os momentos… Mesmo quando uma parte de nós tem de morrer para salvar outra, tudo vale a pena: se salvamos a parte mais importante em nós, salvamos o mundo todo. Se uma parte de mim tem de morrer para te salvar, pois seja, salvarei o mundo todo...
Por isso, quero dizer-te que eu não sou apenas as palavras que escrevo. Sou mais que isso: sou imperfeito (mas todos os dias procuro o meu melhor!), incompleto (sempre que estou longe de ti!), cometo erros (mas tento novamente e com mais afinco!), sou emoção (e como te amo...) e ações (lembras-te de tudo o que fizemos juntos?)... Sou mais que as palavras que escrevo... Dizem, de facto, que quando nascemos nos é dada a possibilidade de experimentar uns poucos milagres e que isso acontecerá algures no caminho da nossa existência... O milagre dos filhos (claro, a douçura e o deslumbramento!) e o milagre do amor (tão completo, tão raro...). Sei hoje que foste o meu milagre de amor e estou-te grato: amo-te na perfeição de todas as tuas imperfeições, rendido aos resquícios que deixaste no baú dos nossos dias felizes...