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Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

15
Jun16

O vestígio dos teus dedos na pele do meu corpo…

Entre Voos

 

Vou acordando aos poucos, ainda ensonado, ao encontro do fresco de uma chuva primaveril nesta semana de verão. Depois de dias plenos de calor, esta pausa desejada simula tréguas com a inevitabilidade das temperaturas habituais para a época estival. Ainda deitado percorro o quarto com olhos que, lentamente, se vão habituando à luz baça que entra pela janela do quarto completamente aberta… Dou conta dos sons que, a espaços cada vez mais curtos, evidenciam uma cidade que acorda, ao mesmo tempo que vejo em cima da mesa de cabeceira o livro que me faz companhia à noite até que Hipnos me reclame para si… Na verdade, já reli todos os livros da minha biblioteca: eles são um refúgio e um amparo…

 

Há uma beleza serena, segura, no conforto de um livro que se relê sem que, no entanto, se torne uma repetição, pois encontramos sempre coisas novas que nos tinham escapado na primeira leitura: o comentário revelador de uma personagem secundária; a descrição do tempo invernoso que ajudará a solucionar o mistério; o vislumbre fugidio do anel de prata em que a figura principal reparou existir na mão de quem o ajudava; ou a tensão que se sente no ar e nos arrepia a pele na descrição do momento em que os olhos de dois futuros amantes se encontram pela primeira vez… Enfim, como dizer isto? Os livros ajudam-me a preencher o tempo que o silêncio da tua ausência me grita constantemente… Completa-se agora uma eternidade a tentar que a memória de ti se dilua no espaço incomensurável que fica entre os segundos de cada hora repetida até à exaustão, uma e outra vez, todos os dias, todos os meses…

 

Mas talvez seja melhor começar do princípio… Como falar do teu sorriso? Como descrever o teu olhar ou o aperto da tua mão na minha? Como descrever o que sinto quando a lua se pendura lá no alto, plena, nas noites em que abro o baú das memórias?... Sabes quando aquela pessoa fantástica que acabámos de conhecer começa a rir e, nesse instante, eclipsa tudo o que nos rodeia e nos parece o som mais perfeito que alguma vez ouvimos? Sabes a emoção que sentimos por dentro quando percebemos que esse riso se deveu, de alguma forma, a algo que tenhamos dito?... Contigo foi assim: como se tudo o que tivéssemos feito ao longo dos anos nada mais fosse do que o cumprimento de um elaborado plano para nos juntar no momento certo, no dia certo, no instante certo em que eu ali estava para te enxugar as mãos e, assim, iniciarmos o nosso livro…

 

Releio-o e tudo o que encontro é sentimento… Como percorrer com palavras as tuas orelhas perfeitas, pequenas e atentas, senão divulgando os sussurros meigos que lhes confiei? Como detalhar a bondade dos teus olhos, senão relatando como me apaixonava perdidamente por eles em cada olhar que nos juntava? Como caraterizar as tuas mãos macias e sensíveis, senão através da completude que sentia quando as entregavas, com cuidado, nas minhas? Como falar da tua deliciosa pele de veludo senão recitando a forma como a água cristalina nos sacia uma sede de milénios? Como definir o sabor dos teus lábios cor de cereja senão beijando-os uma e outra vez? Como explicar o paraíso que é o teu corpo perfeito, sem me referir ao encaixe irrepreensível que ele fazia com o meu, como que esculpido por um marceneiro intemporal para unir duas metades da mesma unidade? Como traduzir o inebriante perfume que se desprende dos teus longos cabelos, sem referir o adocicado do mel ou a fragrância do incenso que se queima numa noite de verão?...

 

Levanto-me. Sacudo a cabeça para afastar os pensamentos… Entro para o duche, abro a torneira e deixo-me ficar ali tentando que a água insuportavelmente quente me adormeça os sentidos, tentando que essa água arranque os vestígios do toque dos teus dedos na pele do meu corpo… Deixo-me, inutilmente, ficar ali…

 

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18
Fev16

É abraçado a ti que todas as noites adormeço…

Entre Voos

 

Os habituais barulhos da cidade já se calaram há muito tempo. De perto, chegam-me os sussurros tranquilos do mar a cortejar a areia, numa dança diária, cuidada e paciente… A chuva fria que desaba a intervalos regulares, esbate os contornos da noite emprestando uma cintilação difusa às formas naturais que se adivinham ao longo da praia… O vento forte de hoje devolve-me o cheiro do sal roubado ao mar, impregnando os meus sentidos com este bálsamo único, premiando o meu torpor com este desmedido espetáculo, como se as forças da natureza tivessem conspirado entre si para hoje me gratificarem com o seu melhor desempenho… Mas noite alguma será capaz de me esconder o caminho até ti…

 

Sereno, observo da janela da sala, como se de uma tela enorme se tratasse, os milhares de tons de cinzento escuro e negro que compõe o céu… Volto-me e, em cima do sofá comprido e espalhadas à volta da guitarra, vejo as folhas com as letras e acordes das músicas que estive a tocar… Seguro na mão uma chávena de chá preto que saboreio encostado ao vidro da janela, na tentativa de afastar o frio que teima em se demorar dentro do peito… Ainda vibram em mim os acordes da música que toquei para ti. Os meus dedos percorreram as cordas da guitarra como se fossem fios do teu longo cabelo loiro e, durante esse tempo, senti que estavas ali, ao meu lado, com o rosto apoiado entre as tuas mãos, sentada em cima das tuas longas pernas cruzadas, ouvindo-me com uma manta à tua volta e, nos lábios, aquele sorriso que me ilumina…

 

Dói-me a distância que nos separa, rendido que estou às saudades que te tenho. Nenhuma das viagens que fiz te trouxe para mais perto, nem acalmou a nostalgia que os meus gestos e pensamentos denunciam. Olho para este lago interior e ele devolve-me sempre, teimoso, o reflexo do teu rosto sorridente... Tenho saudades das tuas pequenas coisas... De encontrar um cabelo teu no meu pullover azul; de te ver a colocar o batom, de manhã, em frente ao espelho, enquanto falas comigo e eu a cair para dentro dos teus lábios; de chegar ao armário e ter que desviar uma camisa tua, branca, no meio das minhas; de encontrar um brinco teu, ou um anel, na nossa mesa de cabeceira; de, ao fazer a cama de manhã, ser despertado pela clara insinuação do perfume que sempre deixavas nos lençóis; enfim, saudades de ti…

 

E depois estou cansado de responder aos outros: “Bom dia, sim, está tudo bem”, “Sim, bem melhor, o trabalho ajuda”… quero dizer-lhes que me fazes falta; gritar que te amo tanto como sempre amei; quero dizer-lhes que nada consegue atenuar a falta que me fazes ao sentido dos dias; que por vezes, nas minhas refeições solitárias, saboreio de memória o gosto do teu arroz doce, a textura do teu delicioso rolo de carne; quero dizer-lhes que me faz falta a luz do teu olhar, a segurança do teu abraço, a magia doce do teu perfume; que me faz falta percorrer a tua pele macia para nela saciar a sede da minha; que me falta a paz do teu coração e o sossego que as tuas mãos transmitem ao acariciar o meu peito… Posso ter-te perdido dos meus dias, mas é abraçado a ti que todas as noites adormeço: amo-te, sabes?...

 

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13
Fev16

"My Funny Valentine"...

Entre Voos

 

O dia amanhecera bastante frio e a chuva caía insistente ensopando-lhe a gabardine e os sapatos. O vento empurrava as poucas folhas das árvores que ladeavam a estrada, obrigando-o a manter as mãos nos bolsos do casaco para se proteger do frio, enquanto se aproximava da esplanada onde, anos atrás, se habituara a tomar café… Na verdade, há mais de seis meses que não aparecia por ali: custava-lhe estar no sítio onde tudo começara, onde a vira pela primeira vez. Mas hoje apetecera-lhe passar por lá, afinal era véspera de São Valentim e, como sabemos, tudo pode acontecer nesta altura…

 

Estava nervoso. Não sabia se ela apareceria pois não tinha obtido resposta à mensagem que lhe enviara convidando-a para tomar café. Fora há tanto tempo que se separaram mas, no entanto, parecia ter sido ontem… Não sabia o que lhe dizer nem o que fazer se a encontrasse, apenas sabia que ainda a amava. Foi por isso que sempre evitou os locais onde suspeitava que ela pudesse estar, como esta esplanada onde tantas vezes fizeram planos para o fim de semana ou se deixaram estar simplesmente a fruir da companhia um do outro, a conhecerem no silêncio dos seus olhares cúmplices o verdadeiro sentido do tempo partilhado, ali, de mãos dadas, a gravarem na pele as memórias que tornariam a sua relação eterna…

 

Quando ela chegou não foram precisas palavras. O abraço silencioso que deram uniu-os até à alma, lembrando-lhes porque se continuavam a amar para lá do tempo e das circunstâncias. Não havia nenhum outro sítio onde desejassem estar, pois era ali que pertenciam. Desejaram-se em cada sorriso que trocaram e fizeram amor nos olhos um do outro… Não foram precisas palavras. Não teceram desculpas porque nada havia a perdoar. Poderiam encontrar muitas razões para se afastarem em direções opostas, mas lograram encontrar a única que os faria ficar juntos: amavam-se como só se ama uma vez na vida e ambos sabiam disso…

 

Foi ela quem primeiro estendeu a mão para agarrar na dele. Ele deixou que ela o encaminhasse para casa. Afinal, o amor não é apenas sobre o quanto se gosta da outra pessoa, mas sobretudo o quão especial e único aquela pessoa é capaz de nos faz sentir a nós próprios… Afastaram-se devagar, a brilhar por dentro...

 

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10
Dez15

Tímidas promessas de sol...

Entre Voos

 

 

Estranhamente, o sol tinha-se escondido atrás de um céu cinzento, fazendo esquecer o dia ensolarado de ontem. Podíamos quase sentir a gotas de água a conspirar, a prepararem-se para desabar durante a manhã, fazendo jus a mais uma manhã de outono, para lá das janelas grandes do meu quarto. Acordei satisfeito, desfrutando antecipadamente do encontro que tinha para depois do almoço. Sorri… Demorei-me um pouco mais por entre os lençóis, imaginando a conversa, ensaiando perguntas e respostas como se fosse a primeira vez que sairia com alguém e, ao mesmo tempo, sem conseguir esquecer o seu perfume…

 

Vi-a ontem, novamente. Já a tinha visto por ali algumas vezes, elegante, confiante, ajeitando o longo cabelo de caracóis loiros com uma mão, os dois filhos pendurados na outra, caminhando como se toda a vida se tivesse preparado para desfilar para mim… Ou assim eu achava. De qualquer modo nunca tinha tido a coragem de lhe dirigir mais do que um “bom dia” ou “boa tarde” tímido, sorridente mas comedido, aquele tipo de cumprimento entre pessoas que sabem que só se encontram naquele mesmo sítio e que, mesmo sem se conhecerem bem, sentem que poderiam facilmente ser amigos e, quem sabe, talvez, construir uma história bonita sobre duas pessoas que se conheceram casualmente porque frequentavam a mesma esplanada ou davam aulas na mesma escola…

 

Sobressaltou-me com uma voz quente, sensual, com um inesperado “Posso ajudar?” quando eu olhava para as palavras cruzadas, e pensava para mim que naquele dia ela estava demorada… “Olá, ainda bem que chegou, estava a sentir a sua falta!” deveria ter dito… mas saiu-me um gaguejado incompreensível, do género “Não, tudo bem, sim, quer dizer, obrigado, estava só a tentar as palavras cruzadas, já agora bom dia, quer tomar café, ou se calhar já tomou, naturalmente…”, - parvo não sabes o que estás a dizer, que figura, pensei - ao que ela me respondeu, com um olhar compreensivelmente desconcertado: “Peço desculpa, não entendi, o barulho...” ao mesmo tempo que me tocava o braço com a sua mão durante um momento que me pareceu uma eternidade deliciosa, em que os meus olhos puderam tocar os dela e encontrar uma paz há muito procurada… “Eu é que peço desculpa!” – respondi mais recomposto e seguro – “Quer tomar um café?”

 

Perante a impossibilidade do momento, sugeriu que tomássemos café no dia seguinte, depois de almoço, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Concordei de imediato, satisfeito, sem conseguir evitar que um sorriso me chegasse aos lábios, e levantei-me. “Vai sair da escola, descer a rua?”, perguntei enquanto dobrava o jornal…

 

E depois falámos do tempo de outono, do prazer de aconchegar a roupa ao corpo para nos protegermos do frio, da forma como a vida louca quase não deixa tempo para que nos possamos conhecer, do gato “Pompeu” que lhe faz companhia em casa (enquanto eu guardava para mim a imagem do meu pastor alemão), do facto de já nos termos visto algumas vezes naquele local (enquanto eu guardava mais uma vez para mim que era por causa dela que as minhas manhãs começavam com o pequeno almoço ali no bar), falámos do último filme que cada um viu e de outras coisas sem sentido que trouxe para a conversa apenas para poder continuar a ouvir a sua voz e sentir a atração do seu perfume, apenas para ouvir o seu riso e observar a forma como os seus olhos se fechavam ligeiramente e de forma cativante enquanto se ria e abanava a cabeça, com os seus caracóis loiros a ondular ao sabor da brisa de outono…

 

“Ainda é cedo, não há pressa, é sábado e o nosso café é só depois de almoço!”, pensei, enquanto me decidia a levantar da cama. Despi as confortáveis calças do pijama, a T-shirt verde escura e, a caminho do banho, coloquei a tocar os "The Verve" no iPhone, enquanto as primeiras gotas de água caiam lá fora e eu sentia renascer dentro de mim sensações há muito esquecidas, como tímidas promessas de sol…

 

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12
Out15

Apaixonarmo-nos é doar um pouco da nossa alma que sabemos nunca mais reaver...

Entre Voos

 

 

A chuva parece ter vindo para ficar. É seu, o tempo. É ela, a chuva, que faz renascer a vida, a esperança, o mundo, é uma espécie de oportunidade para esquecer mas também para fazer as coisas novamente, uma oportunidade de recomeçar melhor, uma oportunidade para lavar o passado, levar as lágrimas que persistem na alma e as memórias que insistem em se colar à pele, escrevendo nelas novos poemas, novas histórias rabiscadas nas estradas por onde deambulamos…

 

Apaixonarmo-nos é ver como extraordinárias e preciosas as pequenas coisas vulgares do dia-a-dia: a cama com os lençóis brancos, amarrotados, ainda com a forma do teu corpo a reclamar o seu espaço junto do meu; é a loiça do jantar de ontem ainda em cima da mesa da cozinha, por arrumar, interrompido pela urgência do nosso amor inadiável, reclamado pela alma e pela pele; é ouvir uma criança a rir alto, de nariz sujo, que corre atrás de uma bola no recreio da escola e logo fazermos uma finta para marcar golo numa baliza imaginária; é ouvir uma música no rádio que nos faz brilhar por dentro e enviar-lhe uma mensagem a dizer que temos saudades, mesmo que tenhamos saído de casa a apenas 10 minutos atrás; é desejar “bom almoço” e aparecer de surpresa com um ramos de flores no restaurante onde ela está e sermos acolhidos com o sorriso mais fantástico do mundo; é o cheiro das castanhas a assar no final do dia e que nos faz parar para as comprar quando, apressados, regressamos a casa; são as luzes refletidas na estrada molhada enquanto pensamos no abraço apertado, à chegada, que nos voltará a deixar inteiros depois de um dia extenuante; é olhar aqueles olhos doces que nos observam, profundos, à noite, ao deitar, e sentirmos que queremos voltar a fazer tudo outra vez, e outra vez, e outra vez, como temos feito nos últimos milénios, e em cada dia ser tudo com a intensidade de uma primeira vez…

 

Apaixonarmo-nos é doar um pouco da nossa alma que sabemos nunca mais reaver, com a íntima convicção de que foi a melhor coisa que fizemos em toda nossa existência, nem que esse amor tenha durado apenas um segundo ou uma vida (o que é exatamente a mesma coisa). E quanto maior a dor da separação (tudo acaba, de uma forma ou de outra), maior a certeza de que foi a coisa certa, o amor que valia a pena, o amor pelo qual valeu a pena renascer para morrer. Apaixonarmo-nos é doar um pouco da nossa alma que sabemos nunca mais reaver e, com isso, tornar o habitual simplesmente extraordinário…

 

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