Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

16
Set16

"Amas-me?" - perguntou ela, séria, no exato instante em que o seu corpo nu acabara de se colar ao dele...

Entre Voos

 

A manhã estava a acordar, preguiçosa e fria, ornamentada com os vestígios da primeira chuva de setembro, prenúncio de um Outono a chegar. A luz entrava timidamente pela janela grande do quarto, deixada aberta pelo cansaço no final do dia de ontem. Ao seu lado, o corpo dela já acordado, quente e macio, exalava o habitual perfume inebriante, envolvente, sedutor, despertando nele a urgência de tomar aquele ser como corolário da paz que sentia por dentro, onde tudo fazia sentido... Encostou-se a ela, acariciando-lhe os longos cabelos e, nesse gesto, despertando-lhe arrepios de prazer e risos de desejo...

 

"Amas-me?" - perguntou ela, séria, no exato instante em que o seu corpo nu acabara de se colar ao dele... "Acho-te piada!" - respondeu-lhe sem hesitar, como sempre o fazia, com o seu habitual sorriso cativante e os olhos presos no sítio onde as suas mãos lhe acariciavam a pele, exatamente por baixo da curvatura dos seios, como ele sabia que ela gostava. "Amas-me?" - repetiu-se, agora mais devagar, como se toda a vida deles dependesse daquela resposta... Desta vez ele olhou-a diretamente no fundo dos olhos, naqueles olhos de amêndoa pelos quais se apaixonara no primeiro momento em que a viu: "Amo-te sim, oh tonta, amo-te como nunca soube que era capaz de amar, amo-te como se soubesse que sempre serei teu..." - disse-lhe, sentindo que o coração, de tão cheio, quase lhe saia do peito... "Então, mostra-me..."- respondeu-lhe. "Desculpa?" - perguntou-lhe como se tivesse compreendido mal o que ela disse... "Mostra-me!" - repetiu ela, perentória...

 

E então ele mostrou-lhe... Mostrou-lhe tudo o que sabia: mostrou-lhe os prados que se escondiam nos recantos da pele quando lhe tocava; mostrou-lhe a lua cheia que pela primeira vez iluminava sem receio os segredos que guardava; desenhou-lhe o cheiro das flores que brotavam dos lábios em forma de gemidos; ofereceu-lhe o poder de um abraço que, vindo de dentro, foi capaz de voltar a reunir todos os pedaços caídos nos caminhos de ontem; mostrou-lhe o significado do tempo e da espera, do saber e da entrega; mostrou-lhe o que sentia por a ter ali, ao lado dele; mostrou-lhe tudo até à intensidade que deve existir entre duas almas quando se fundem num grito rouco...

 

"Quero uma vida assim, plena, um amor apaziguador de todas as dúvidas, nós assim, abraçados..." sussurrou quando, por fim, se deixou deslizar para se acomodar ao lado dele, aninhada no seu peito... Por momentos, enquanto ele lhe beijava o topo da cabeça, o seu pensamento reviu todos os caminhos que a trouxeram até ali e compreendeu... O silêncio morno, íntimo e confortável que entre eles caiu foi despertado minutos depois, quando ele, afagando a pele macia e rosada do rosto mais perfeito que alguma vez beijou, confessou: "Sei que não preciso de ir a mais lado nenhum, sabes?... É aqui o meu lugar, sinto-o... Não sei se esta será a vida do nosso amor, mas irei tentar, em cada dia, oferecer-te o amor de uma vida..." Envolveu-a um pouco mais com os seus braços e, beijando-a pausadamente entre os olhos, devagar, deixaram-se ficar ali em silêncio, sem pressa, dois cúmplices a construir, hoje, o amor de toda uma vida...

 

Licença Creative Commons
29
Fev16

Linda...

Entre Voos

 

Hoje imaginei-te a chegar à pequena mesa do café onde me sentei para tomar o pequeno almoço… Chegarias linda, sorridente e elegante, como sempre. Trarias a luz do sol no olhar e a primavera no calor nos teus lábios de mel. Falarias de tudo e de nada e eu, feliz, escutaria o trinado melodioso das aves no céu, adivinharia o fresco dos regatos nas montanhas, experimentaria na pele o acordar sensual que a tua voz sempre me provocou e, depois, sentar-me-ia numa nuvem contigo…

 

Pedirias um chá de rooibos e eu um chá preto… Afastarias do rosto, distraída, uma madeixa do teu cabelo loiro e eu renasceria ali, no quadro que a manhã pintaria para nós: a luz matinal a entrar pela janela do café, o cheiro a pão acabado de cozer, as vozes sumidas das conversas nas outras mesas, eu e tu sorrindo tranquilos numa manhã insuspeita, um encontro fortuito, um mundo novo, de novo…

 

Ficaria ali eternamente, deliciado, trocando novidades contigo… O tempo ficaria suspenso nos gestos espontâneos que as tuas mãos delicadas fariam, eu alimentado pelo brilho dos teus olhos, tu beleza pura, eu a procurar-te nos silêncios das frases que não quererias dizer, tu a baixares os olhos para calares com um sorriso tímido as palavras ternas que eu te diria…

 

Chegarias linda e ficarias por ali como se todas as manhãs tomássemos o pequeno almoço naquela mesa, naquele café… Sairíamos juntos, como sempre fomos, caminhando serenos, lado a lado, tu a fazeres-me feliz, eu a fazer-te sorrir, nós a tornarmos o mundo mais cintilante e depois, por determinação do universo antigo, o teu perfume não mais se ausentaria da minha pele…

 

Licença Creative Commons
02
Fev16

"Fala-me de um dia perfeito..."

Entre Voos

 

Acompanhada pelo trompete de Chris Botti, a voz de Sting pairava no ar criando o ambiente apropriado ao momento de descontração e intimidade que se sentia na sala. Deitados no sofá, as costas dela encostavam-se serenas ao peito dele, enquanto pensava que a sua vida encaixava perfeitamente no abraço seguro que a envolvia, como se nada mais lhe importasse naquele momento... Ele ia-lhe beijando a pele macia do pescoço, de vez em quando, e a sua barba provocava nela deliciosos arrepios de protesto…

 

"Fala-me de um dia perfeito..." – pediu-lhe com a sua habitual voz, sedutora como a superfície de um lago tranquilo, num desafio ao silêncio morno que se instalara enquanto enrolava, distraída, uma madeixa do seu longo cabelo louro. Ele sorriu, ajeitou-se ao lado dela, ganhando espaço para a voltar de frente para si, de forma a poder olhá-la naqueles olhos meigos e profundos pelos quais se apaixonava todos os dias desde que a conhecera…

 

“Um dia perfeito” – começou – “é cada dia em que me permites passear os meus dedos pelo teu cabelo macio e sentir que vais estar aí, dando sentido às nossas noites de outono e inverno, na construção de dias de primavera e verão…”. Enquanto o dizia, os dedos da sua mão esquerda penteavam-lhe o cabelo para trás, desviando-o dos olhos e das orelhas pequenas que tantas vezes lhe ouviram palavras de deleite…"Um dia perfeito é cada dia em que o tempo só faz sentido ao lado da pessoa que o consegue parar quando nos olha, como tu fazes..."

 

Fechou os olhos e inspirou fundo a fragrância que o cabelo dela libertava, inebriado. “Um dia perfeito é cada dia em que posso sentir o teu perfume tão perto e, assim, ter o paraíso ao alcance de um beijo na tua face de anjo… ” - disse-lhe, para lhe tocar suavemente com um beijo meigo em cada pálpebra e depois, apaixonado, na curva que a boca dela desenhava ao sorrir… "Um dia perfeito é cada dia em que perco a respiração quando nos despedimos de manhã para só voltar a respirar no final da tarde, ressucitado no calor dos teus lábios..."

 

“Um dia perfeito" – continuou – “é cada dia que começa com o som da minha voz a desejar-te bom dia e termina com os teus pés frios encostados ao calor dos meus, debaixo dos lençois brancos que escolhemos para a nossa cama… Um dia perfeito é cada dia em que o meu coração percorre contigo as horas ingratas em cada passo que dás longe de mim, sabendo que o trabalho é apenas uma forma de ocupar o tempo até voltar a estar contigo…”

 

Deixou que o silêncio entre eles alojasse o solo do trompete da música que continuava a ouvir-se e acariciou-lhe o rosto, olhando-a nos olhos enquanto concluía: “Sim, um dia perfeito é qualquer um passado contigo, juntos ou afastados, com a certeza que, se um dia nos perdermos na estrada que estamos a construir, conseguiremos sempre encontrar o caminho de regresso seguindo a luz que cada um acendeu na alma do outro… Um dia perfeito é cada dia em que posso dizer, olhando-te assim, que te amo...” Ela sorriu como só ela sabe sorrir, fingindo resistir quando ele a puxou para si para lhe tomar os lábios sensuais, perguntando-lhe: "Que vais fazer amanhã?... E no resto da tua vida?..."

 

Licença Creative Commons
03
Dez15

Árvore de Natal (ou amar-te hoje como se te fosse perder amanhã...)

Entre Voos

 

Acabei de fazer a árvore de Natal e estou satisfeito com o resultado. Na realidade todos os anos faço a mesma coisa: aquelas cinco árvores estilizadas, um enfeite de Natal prateado e as habituais luzes azuis que piscam tão devagar como os meus olhos faziam quando te viam a entrar cá em casa, na tentativa de prolongar para sempre aquele instante mágico... Não gosto menos dela pelo facto de a fazer da mesma maneira todos os anos. Na verdade, a familiaridade das suas formas conforta-me sempre que chego a casa. Da árvore, quero dizer.

 

Mais um ano passou e o tempo cobrou o seu tributo de forma regular e implacável… Este ano tenho mais espaço vazio ao lado da árvore. Este ano tenho menos prendas, menos abraços, menos beijos para distribuir. A árvore continua igual, plástica e brilhante, mas a roda do tempo deixou o seu rasto bem definido dentro de mim, gravado entre textos plangentes e memórias felizes…

 

Por vezes esquecemos que não passamos de borboletas brilhantes que saíram de um casulo neste planeta minúsculo, perdido na vastidão de um Universo em expansão, uma anomalia classificada como milagre pela improvável possibilidade de, sequer, existirmos… Agitamos as asas e pensamos que voamos, que controlamos o nosso voo quando, afinal, estamos apenas a ser impelidos pela brisa indulgente que antecede o rigor do temporal… Na realidade, deslocamo-nos entre voos descoordenados, insistindo em designar “para sempre” o raro instante efémero em que os nossos olhos encontram um sorriso e, nesse breve sopro, conseguimos voar de forma síncrona num mundo fundamentalmente assíncrono…

 

Com um aperto de melancolia no coração, olho para a árvore de Natal para confirmar que está tudo no sítio e, no entanto, falta tudo… Tudo desapareceu demasiado depressa, sem aviso, como quando queremos agarrar aquela água na concha das nossas mãos e ela teima em se escapar por entre os dedos… Apesar de tudo, sei que te amei em cada "hoje" como se soubesse que "amanhã" te perderia para um temporal de sentimentos que nós, borboletas que mal sabíamos voar, achámos irremissíveis ao olhar para o casulo que deixámos para trás… Acendi as luzes, azuis, que decoram a árvore, e sinto que piscam devagar, com saudade... brilham, mas não conseguem iluminar este imenso espaço vazio…

 

Licença Creative Commons
12
Nov15

Aquele teu vestido Lacoste, azul...

Entre Voos

 

 

O fim de semana anunciou-se com promessas de sol e encontrou-nos juntos. O tempo estava frio, mas a casa mantinha no seu interior o calor do sol que brilhou agradavelmente ao longo do dia. A salinha, acolhedora, convidava-nos a disfrutar de algum tempo tranquilo após mais uma semana de trabalho… A aldeia, já silenciosa naquela hora crepuscular, entregava-nos a paz do som da água que jorrava no fontanário do largo, ali perto. Os pássaros mais atrasados, num chilrear rítmico e puro, apressavam-se a recolher para os ramos dos grandes carvalhos que ladeavam o aglomerado de dez ou doze casas que constituíam o nosso paraíso…

 

Desde que entrámos na casa que alugámos, naquela pequena casa de pedra no meio da aldeia quase deserta, que desejo render-me aos teus lábios e fazer-me refém da tua pele... Coloquei a tocar o CD do Yamamoto Trio, antecipando o toque quente dos teus dedos no meu rosto, sorrindo com gosto pela concretização do tão desejado primeiro fim de semana juntos… Quando apareceste na sala, como que por coincidência, estava a tocar “It Could Happen to You”… Era a conjugação de todos os acasos da nossa vida, todas as ínfimas probabilidades se concretizavam ali, naquele instante: o som cativante do piano, tu e o teu perfume, tu e a tua pele macia, tu e o mundo inteiro à minha frente, tu e a primeira vez que te vi com óculos, tu naquele teu vestido Lacoste, azul, curto e justo, convergiram naquele instante como um vórtice, uma anomalia temporal que ligou passado e futuro emergindo num presente uno, completo e inevitável… Sustive a respiração por momentos, simplesmente arrebatado com tudo o que a tua presença significava enquanto, tão demoradamente como um segundo a conter a eternidade, tomava consciência de que não precisava de mais nada... Aconteceste-me, simplesmente, e foi nesse dia que soube que te iria amar para sempre...

 

Naquele fim de semana fomos todas as coisas que moveram o universo, nós e as promessas que os lábios trocaram, nós e os gestos decididos que nos libertaram da roupa, nós e todos os mistérios que sofregamente descobríamos em cada centímetro quadrado da nossa pele nua, nós e a música que nos tocava por dentro, nós e o mundo inteiro a renascer naquele átimo em que as nossas almas finalmente se reencontraram, com os teus olhos nos meus, as tuas mãos nas minhas e, depois, a explosão rouca, lenta, arrancada do fundo do que somos, num espasmo síncrono de corpo e alma, e outra vez, e outra vez, até nos quedarmos exaustos ali, naquela cama, naquele quarto, para sempre, nós e mais nada, nós, e éramos tudo o que havia… 

 

O piano continuou a ouvir-se durante mais algum tempo, enquanto tu, de olhos fechados e com um sorriso que nos iluminava aos dois, te aninhavas no meu abraço e no nosso amor com a certeza de quem tinha, finalmente, chegado a casa...

 

Licença Creative Commons

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

Arquivo

    1. 2016
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2015
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2014
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2013
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2012
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2011
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D