"Para pecadores como eu, Deus envia anjos como tu…"
Arrepias-me, sabes?… de uma forma agradável, aprazível, excitante… Sempre tiveste esse efeito em mim… Na primeira vez que te vi, sem saber porquê, senti um arrepio percorrer o meu frágil corpo de mulher, um daqueles frémitos que começa na barriga como uma borboleta e se espalha pelo corpo todo como uma tempestade elétrica, deixando arrepiada a pele dos meus braços e os pequenos pelos da parte detrás do pescoço eriçados, deliciados… Quando me beijaste, como só tu sabes beijar estes meus lábios cor de cereja, afagando os meus cabelos de ouro daquela forma desajeitada mas que sempre me fez sentir a excitação do beijo mais sincero do mundo, entreguei-me sem reservas ao teu abraço forte, protetor, como se te entregasse o meu mais precioso tesouro, para cuidares e iluminares…
Quando disseste que eu era o teu santuário deixaste-me desassossegada: tu, pecador confesso, para que quererias uma inocente como eu?... “Para pecadores como eu, Deus envia anjos como tu…” disseste-me nessa altura, olhos nos olhos, guardando as minha mãos pequenas e macias dentro das tuas, seguras e decididas, como se o mundo todo se rendesse ali naquela evidência tranquila e inevitável e, assim, fizesse sentido…
Depois tomaste este meu ser – puro e doce como a mulher que sou – e dedicaste-lhe o teu tempo, paciência, dedicaste-lhe tudo o que eras, tudo em que sabias ser o melhor, entre o devoto e o pecador… Ajoelhaste-te perante a sacralidade do nosso amor e do significado espiritual do nosso encontro, crescemos nesse amor intemporal, elevámo-nos, mas também despertaste as gárgulas que velavam os meus pesadelos, as minhas angústias, o meu lado lunar… Nessa dança entre anjos e demónios, nessa dança que cria e destrói mundos, nessa dança tentadora, pura e ao mesmo tempo maculada, dançámos embriagados pela força do nosso amor, demasiado perto da vertigem e depois, depois já havia mais noite que dia dentro de cada um de nós, ouvíamos sons de cristal a fender e tambores de antecipação, e depois… depois já era demasiado tarde...
Nessa dança ébria vi-me apartada, vi-me longe de mim e do que sou e, nessa distância interior, também me perdi de ti, meu amor… Agora estou desaparecida, mas tento com todas as minhas forças encontrar o caminho de volta a mim mesma, de volta à tranquilidade, que me devolva o perdão, que me devolva a luz que, apesar de trémula, ainda brilha na essência do que sou: uma mulher fantástica... Mesmo sabendo que me procuras (nunca deixaste de me procurar, pois não? Nem nunca vais deixar de o fazer, prometes?) não consigo ver-te enquanto não me conseguir ver a mim própria… Um dia… bem! Um dia vou encontrar-me e, assim, encontrar-nos... Um dia vou ter contigo a essa varanda onde me esperas, e voltaremos a aquecer-nos bem dentro do nosso abraço terno, eterno, com a tua barba a tocar-me sedutoramente o rosto, e seremos mais que dois: seremos tudo...
Sim, ainda me arrepias… Cada vez que o meu olhar distraído deixa as saudades divagarem para dentro do meu coração, sinto que a tua presença doce, segura, rendida e apaixonada ainda me arrepia, sabes?... Sempre tiveste esse efeito em mim, como a chegada dos pássaros que anunciam uma primavera antecipada e transformadora, uma promessa de vida, uma promessa de "para sempre"…