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Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

24
Dez15

A mesa está posta, pai... Feliz Natal...

Entre Voos

 

A mesa está posta, pai, o teu lugar continua teu, mas hoje sou eu quem vai ter a honra de se sentar lá. Eu sei, não estás cá, é apenas uma cadeira, mas sentar-me ali, nesta tua casa, na tua cadeira, é tentar que o tempo hoje ande mais devagar, é tentar que em cada frase minha surja a inspiração das tuas palavras, é reviver as memórias dos natais anteriores e ouvir o eco do teu riso, é tentar que as iguarias na mesa e o fogo na lareira e a fome no coração tenham sentido, apesar de tudo, apesar das ausências...

 

A mesa está posta, pai, a maior parte das pessoas que amas conseguiram vir, as conversas estão animadas entre o tinir dos copos com o teu vinho tinto e o barulho dos talheres que esfiapam o bacalhau cozido com couves. Tenho a certeza que era isto que querias :o). Sei que (acredito!) daqui a pouco haverá um momento, um breve instante em que os nossos silêncios serão coincidentes porque, nesse intervalo, nesse vislumbre de paz e tranquilidade, todos estaremos a pensar em ti... Depois, nessa fátua eternidade, surpreendidos, começaremos a rir ao mesmo tempo e saberemos que passaste por ali para nos ver, para estares uns preciosos instantes connosco, para nos abraçares novamente, para nos brindares com a tua doçura e nos acarinhares com as memórias felizes, indeléveis, das estórias de uma vida cheia…

 

A mesa está posta, pai. Saudades tuas, por aqui... Feliz Natal…

  

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17
Out15

Esta noite vou ficar por aqui contigo, se não te importares, pode ser?

Entre Voos

 

 

02:46 AM. A noite há muito que aqui chegou e impiedosamente se instalou nos gestos com que lentamente construo o meu tempo. À varanda, chegam-me ecos como imagens desgarradas de um filme sem sentido, fotografias arrastadas pela brisa fresca que se faz sentir e que pinta traços imprecisos de outras vidas. Ao longe, a espaços, o som de carros tardios interrompe por momentos o cricrilar que reina nesta zona da cidade.

 

Risos perdidos por entre os caminhos de uma madrugada de sábado, ébrios, lembram-me que a noite também pode ser dia, luz e calor. Por entre baforadas do cigarro que seguro entre dois dedos da mão direita, imagino as vidas anónimas arrendatárias dessas alegrias instantâneas, simples, eficazes, ruidosas, e aconchego o casaco sem conseguir decidir se o faço pelo frio que sinto na pele ou na alma...

 

O corpo pede para me render ao conforto da sala, mas prefiro o frio que me mantém acordado. Não tenho planos que ultrapassem o simples desejo de estar aqui nos próximos minutos, a desfrutar desta noite fria, preenchendo o tempo com um cigarro e um James Martin’s sem gelo. A noite reclama para si as sombras do dia e a dos nossos espaços interiores, mas de mim nada mais recebe do que a satisfação que sinto por aqui estar, tranquilo, presente.

 

Deixo-me invadir pela paz obscura que acalma as almas inquietas enquanto o pensamento divaga, e imagino a tua enorme gargalhada, paternalmente trocista, agora que estás sentado aí “em cima”, conhecedor do passado e do futuro destes ensimesmados mortais. É assim, noite dentro, que nos sinto mais próximos, sabes?… Esta noite vou ficar por aqui contigo, se não te importares, a contar-te os meus planos, a partilhar os meus pensamentos, para nos rirmos juntos, pode ser?...

 

 

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08
Nov14

Envelheceste sem eu dar por isso...

Entre Voos

 

 

Envelheceste sem eu dar por isso. Sempre olhei para ti com a mesma idade, a idade eterna dos pais. Aos nossos olhos, os pais nunca envelhecem até ser demasiado tarde e demasiado rápido. Trocámos um olhar fugaz na noite em que partiste e no teu olhar encontrei a paz de quem sabe que parte tranquilo, com tudo entendido, tudo dito, uma vida cumprida... A paz de quem sabe que, mesmo o que não foi dito foi sentido nos corações de quem se ama e de quem nos ama. Não foram precisas palavras. Afinal são os atos que perduram. As mãos dadas em silêncio, as carícias que trocamos, os silêncios que tranquilamente se instalam para serem interrompidos por gargalhadas e discussões, risos e choro, alegria e tristeza, são as memórias do palco que é a nossa vida.

 

Muito aprendi contigo. As constantes trocas de galhardetes entre nós mais não eram que revisitar avenidas e planícies que percorremos juntos era eu criança, calcorrear argumentos que mil vezes esgrimimos para saber que mantínhamos as nossas opiniões exatamente como na semana passada. Há coisas que não mudam. Tu nunca mudaste, vejo-te sempre na mesma, para mim continuas exatamente igual ao longo dos últimos 40 anos.

 

Fazes-me falta. Fazes falta. Muito mudou por aqui, algumas coisas para melhor outras nem tanto. Às perguntas que te faço, pressinto as tuas respostas irónicas no meio de um sorriso certo, muitas vezes na forma de outra pergunta. Faz parte. Abraçar a dor da ausência e fazê-la parte de nós é compreender a perenidade do “ter” e almejar “ser”. Ser-se melhor.

 

Mas a vida ensina-nos, melhora-nos, dá-nos a paciência e o tempo de reflexão, na certeza de que a perda de quem se ama é inevitável. Resta-nos, por isso, a valorização dos momentos, mesmo curtos, em que fomos "juntos", em que nos construímos mutuamente, em que nos testámos, em que nos amámos, em que partilhámos alegrias e tristezas, em que discutimos para logo fazer a paz... E por tudo isso, sou-te grato, a ti, à mãe e aos que partilharam momentos da sua vida comigo e que teimam em fazer parte da minha caminhada, acreditando assim na eternidade criada a partir de sopros e gestos que, em conjunto, fazem o livro da vida.

 

Entre nós não ficaram promessas por cumprir, nem palavras por dizer: tudo foi resolvido no devido tempo que tem lugar no espaço que medeia entre dois olhares de alma ou um sorriso cúmplice. A tua presença é, assim, eterna. Precisava que soubesses isto. E que continuo a tentar melhorar o meu voo, tal como me ensinaste, sabendo que nem sempre conseguimos o que queremos, mesmo quando damos o nosso melhor...

 

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