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Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

Entre Voos

A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. "Entre Voos" é um espaço de sentimentos feitos palavras, onde se espera pela vida como por um voo na sala de um qualquer aeroporto...

14
Jan16

Papel de carta...

Entre Voos

 

É noite dentro: já passa das duas da manhã… No ar ouve-se o zumbido reconfortante do ar condicionado que mantém aquecido o ambiente da sala, dispersando o aroma do incenso que arde no queimador em cima da pequena mesa de madeira, ao lado do sofá... Quando lhe enviou a carta, optou por fazê-lo usando o correio normal em detrimento do e-mail: não era a rapidez que lhe interessava, mas a solidez que o papel emprestava às palavras que escrevera... Na realidade, tinha a esperança de conseguir sentir quando as mãos dela, macias, abrissem a carta. Quando ela percorresse com a ponta dos dedos, devagar como era seu hábito, as linhas por ele escritas, seria o mais perto que tinham estado um do outro nos últimos meses… era como se lhe pudesse tocar novamente, através do papel de carta, ao de leve, na sua pele de algodão… Só por isso já valera a pena.

 

A carta seguiu logo após do Natal, mas chegou já depois da primeira semana do novo ano, demorando-se por entre os milhares de postais de boas festas que naquela altura circulam através dos correios. Era a sua forma de lhe relembrar o quanto a amava mostrando-lhe que, apesar da fragilidade do ser humano e dos erros tontos que por vezes homens e mulheres fazem, a verdadeira essência do que somos, a verdade da alma, está nas coisas simples da vida... E então tentou descrever-lhe como as coisas habituais do dia a dia o faziam lembrar-se dela e da forma deslumbrada como a amava em todas as coisas simples da vida…

 

Recortou pequenos corações de cartolina (como um dia fez para vestir as paredes do quarto deles) e imaginou a surpresa que lhe passaria pelo rosto quando, inevitavelmente, os corações caíssem para a mesa ao retirar a carta do envelope… Que imagens dele lhe terão passado pelos olhos nesse instante? Que saudades demoradas lhe percorreram a pele num arrepio? Quantas vezes a releu sentindo em cada palavra o mesmo aperto no coração que ele ao escrevê-la? Quantas lágrimas silenciosas acompanharam o sorriso que lhe aflorou os lábios? Quantas vezes terá acariciado o papel tentando lembrar-se da sua voz em cada palavra, do seu perfume em cada vírgula, do seu rosto em cada letra? Quantas vezes releu aqueles parágrafos até decidir guardá-la definitivamente ao pé das outras cartas, na caixa de papelão que ainda subsiste na última gaveta do seu roupeiro?...

 

A noite já lhe pesa nos olhos. De repente sentiu-se inundar de saudades, saudades de, ao deitar, lhe dar um beijo leve para não acordar aquele anjo, saudades de ver a sua roupa na poltrona, já preparada para se vestir rapidamente de manhã... Saudades de a ter ali, no lugar que é dela, aninhada no seu peito… Só por isso já valera a pena…

 

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28
Dez15

No mar que trago dentro, és o último navio a partir...

Entre Voos

 

Resgatei o olhar ao horizonte que entardecia e confirmei mais uma vez, no relógio Hugo Boss que me ofereceste, que as horas demoram a passar. “Quando o último navio partir ir-me-ei embora.” – pensei… O final de tarde junto ao rio veste as cores cinzentas das nuvens que velam o céu e sussurra brisas frescas que anunciam a chuva que se aproxima no horizonte. Para além de mim, na esplanada do café apenas está um casal de namorados sorridentes, felizes, a tomar um café enquanto, no chão, incansável entre os pés de uma cadeira, um copo de papel risca lentos movimentos de vaivém embalado pelo vento. Na marina, os barcos dançam ao sabor dos movimentos tranquilos e poderosos de uma valsa íntima de corpos bem juntos, dirigida pela ondulação. O rio, apesar de irrequieto, testemunha silenciosamente o tráfego de entradas e saídas, de e para o mar: uns barcos de pesca aqui, alguns barcos de recreio ali e, lá longe, no cais mais afastado, dois imensos navios de passageiros que acendem as suas luzes cumprimentando a noite que se aproxima, célere…

 

Peço um último café ao empregado que, atarefado, levanta a loiça das mesas desocupadas na urgência de fechar mais cedo, ansiando pela companhia que o espera... Vou pensando para mim que me irei embora daqui a pouco, quando o último navio partir, pois não adianta a espera: faz frio e tu não virás... Sinto que jamais virás, mas insisto em vir até aqui ao final de todas as tardes de quarta-feira, num ritual que acabou por me definir, bebendo um ou dois cafés, espraiando o olhar no horizonte, ver partir os navios dos outros e outros em navios que partem, apenas para dizer - se porventura um dia tivesses aparecido - que te amo como se ama apenas uma vez na vida: para sempre...

 

Que navios sulcam os mares dentro de nós? Que portos procuram? Que passageiros transportam? Quantos chegam ao seu destino? Quantos se afundam com pedaços nossos arrancados bem lá do fundo, com sofrimento?... São as memórias que tornam inolvidáveis estes navios que definem as nossas rotas, que nos definem a nós, navios que aos poucos vão partindo: os eternos pai e mãe, sempre seguros e com resposta para todos os desafios; os velozes e irrequietos filhos; o navio do primeiro amor, onde ainda se notam aqui e ali as cores da descoberta e da juventude despreocupada… E depois, incontornável e demorado, o amor por aquela que sabemos ser a última mulher da nossa vida, o último navio a partir, com aquele ranger familiar das madeiras cansadas que um dia foram eternas, os cordames quebradiços pela ação do sal de lágrimas amargas, o barulho de portas que batem empurradas pelo sopro implacável do tempo que se apropria, paciente e inexorável, dos espaços abandonados no convés onde ainda esvoaçam memórias, fragmentos de risos e fotografias amarelecidas que testemunharam a nossa paixão…

 

Todos nós erramos, todos nós cometemos erros... Depois há erros que, de tão graves e profundos, parecem conseguir ocultar todas as outras coisas fantásticas e acertadas que construímos juntos... Perdoar não é esquecer nem ignorar.. perdoar é ter a capacidade de ouvir o que vai dentro de nós para além dessa mágoa profunda, é sentir também a dor do outro e, nessa consciência partilhada, assumir que nenhum de nós é perfeito... é ter a certeza que, apesar dessa imperfeição, há uma pessoa ao nosso lado que está a improvisar a vida connosco o melhor que sabe, o melhor que pode, uma pessoa pela qual valeu a pena ter sentido essa dor, uma pessoa cujo amor por nós nunca esteve em causa por um minuto que fosse, a pessoa em cujo abraço encaixamos na perfeição e é capaz de nos fazer brilhar tão intensamente quanto a lua cheia, a mais linda das bolas de cristal, no céu mais estrelado de sempre...

 

Ajustei o cachecol que trazia ao pescoço e levantei-me para ir embora, não sem olhar uma última vez para o horizonte... Sorri, lembrando-me do sol que um dia me aconchegou no verão das tuas mãos… No mar que trago dentro, és o último navio a partir. Deixas para trás um peito aberto e eu deixo partir o mundo inteiro... Suspirei e, olhando para cima enquanto a chuva anunciada chegava, abracei a derradeira lição que a vida nos concede: a aceitação do que não podemos mudar… "Feliz ano novo, meu amor!" lancei ao vento, inundando-me com a honra que sempre consagrei ao privilégio de ter caminhado ao teu lado, com a certeza de que esse meu beijo se demoraria, eterno e apaixonado, nos teus lábios macios...

 

“It's a strange kind of beauty,

It's cold and austere,

And whatever it was that ye've done to be here,

It's the sum of yr hopes yr despairs and yr fears,

When the last ship sails.”

 

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17
Dez15

Na quietude notívaga das horas de insónia onde regularmente te encontro...

Entre Voos

 

Chove. A noite quedou-se de mansinho ao meu lado. Não dei pela sua chegada, mas trouxe consigo tempo e memórias para partilhar. Sirvo-me de um James Martin’s sem gelo, como sempre, e coloco Bach a tocar para mim, a tocar para nós. Deixo que os acordes, tão familiares como o teu perfume, pintem progressivamente a sala de estar e me conduzam para o sofá onde a tua ausência nos acompanha. Penso-te: tanta coisa por dizer...

 

Falar-te-ia do matinal acordar etéreo dos grãos de pó, hipnóticos, numa dança harmoniosa, contínua, sustentada pela desafinação aparente dos seus movimentos que, no meu quarto ainda obscurecido, procuram os raios de luz que vencem as frestas da persiana semiaberta e se espraiam nos lençóis desalinhados da cama onde a forma do teu corpo, já acordado, reclama o espaço das noites loucas e das manhãs aninhadas em abraços cúmplices…

 

Ou do beijo apaixonado de "até logo" soprado pelos teus olhos, num gesto tão genuinamente belo e naturalmente distraído como a espessura incomensurável do nada que delimita uma bola de sabão multicolor que rodopia, única, robusta, na momentânea existência de quatro eternos segundos para, dali a pouco, nos salpicar de alegria agridoce da sua história, da sua partida…

 

Ou da felicidade desenfreada, simples e verdadeira, que sentimos quando passeamos os dois de mão dada, que transborda do riso das crianças que correm atrás dos pombos na praça da vila, só porque sim, só porque apetece naquele instante abandonarmo-nos à existência sem planos, a ser felizes ali, ao lado daqueles nossos amigos acabados de conhecer e que serão os nossos melhores amigos para toda a vida que existe entre o ali e o final daquela correria, que abraçaremos ao cortar a imaginária linha da meta ao pé do banco de madeira pintado a verde, no limite da praça, vencedores, ofegantes, abraçados, ruidosos, como se tivéssemos acabado de viver a aventura mais significativa de toda a nossa existência, naquela praça, naquele instante, único, eterno, apaixonados…

 

Ou do arrepio que os meus lábios quentes provocam na tua pele macia, como a carícia de uma brisa fresca no final de uma tarde de verão, à beira mar, na praia onde te levei para me declarar eternamente teu, para te entregar o que de mais sagrado e mais profano tenho, naquela praia onde quis parar o tempo para nos demorarmos a olhar aquela cascata perfeita, para ficarmos ali, perpetuamente ali, de vidas dadas, naquela praia onde a leveza das tardes é prometida na espuma do mar que adorna o teu corpo nu, onde a certeza das noites loucas transparecem no olhar desafiador com que me despes, e onde a firmeza do amor só encontra paralelo na robustez das falésias que, sem idade, nos rodeiam e protegem…

 

Ou da paz tranquilizadora que me invade no voo do flamingo que aparece, em câmara lenta, no sorriso sincero que se desenha progressivamente no teu rosto quando me apanhas a olhar para ti, eu inebriado pela doçura dos gestos quotidianos enquanto preparamos o jantar e conversamos sobre coisas simples, eu cativado pela fluidez graciosa da tua serenidade, da tua esperança, da tua força, eu conquistado ao lugar certo de todas as coisas na tua vida...

 

Ou do som cristalino e sempre renovado das gotas de chuva lá fora, ao princípio da noite, com o lume a crepitar na lareira da sala e dois copos de vinho tinto esquecidos na pequena mesa de apoio enquanto nos amamos lentamente, olhos nos olhos, para lá da pele, para lá do corpo, para lá do tempo, no lugar mágico onde as almas se encontram e partilham as memórias intemporais de um amor inevitável…

 

Ou do significado imenso contido na beleza geométrica de uma teia de aranha, tão frágil, tão resistente, como a vida, como os vínculos que nos ligam para sempre às pessoas que nos marcam, tão frágeis e, no entanto, tão resistentes, que perduram nas saudades, nos lugares, nos momentos, nas músicas, na quietude notívaga das horas de insónia onde regularmente te encontro e conversamos, choramos e rimos…

 

Falar-te-ia dessas horas suspensas onde nos encontramos por dentro, do amor que te tenho para sempre, da falta que me fazes na substância dos dias e da forma sempre inesperada como te despedes devagar, dissipando-te com a primeira claridade da manhã, deixando-me apenas com vestígios do teu perfume e sinais de um zimbro lacrimoso que me cobre o rosto e emoldura o copo já vazio que teimo em acariciar, distraído, na minha mão… Nenhum sopro de clemência existe no silêncio de quem se ama...

 

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17
Dez15

"As palavras que nunca te direi" - Cartas...

Entre Voos

 

 

(do filme: "As palavras que nunca te direi" - Carta de Catherine)

 

"A todos os navios no mar, a todos os portos de abastecimento. Para a minha família, e para todos os amigos e desconhecidos. Isto é uma mensagem e uma oração.

A mensagem é que as minhas viagens me ensinaram uma grande verdade. Já tinha aquilo que todos procuram e que poucos encontram: aquela pessoa no mundo que nasci para amar para sempre. Uma pessoa como eu da zona de Otter Blank, do misterioso Atlântico Azul. Uma pessoa rica em tesouros singelos, que se fez aquilo que é. Um porto em que estou sempre em casa. Nenhum vento ou problema, nem mesmo uma pequena morte, poderá fazer ruir esta fortaleza.

A oração é a pedir que toda a gente encontre um amor assim e através dele seja curado. Se a minha oração for ouvida toda a culpa será apagada e todos os remorsos e toda a raiva será extinta.

Por favor Deus. Ámen."

 

(do filme: "As palavras que nunca te direi" - Carta de Catherine)

 

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(do filme: "As palavras que nunca te direi" - Primeira carta de Garrett)

 

 

 "(...) Escrevo para te dizer que estou a trabalhar para alcançar essa paz. E para te dizer que lamento tantas coisas. Lamento não ter tratado melhor de ti para que não passasses minuto algum com frio, ou com medo, ou doente. Lamento não me ter esforçado mais por te dizer aquilo que sentia. Lamento nunca ter arranjado a guarda da porta. Arranjei-a agora. Lamento as discussões que tive contigo. Lamento não te ter pedido mais vezes desculpa por ser demasiado orgulhoso. Lamento não ter elogiado tudo aquilo que vestias e todos os teus penteados. Lamento não te ter agarrado com tanta força, que nem Deus te pudesse arrancar de mim."

 

(do filme: "As palavras que nunca te direi" - Primeira carta de Garrett)

 

 

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01
Dez15

Carta à última mulher da minha vida...

Entre Voos

 

Olá :o). A mais de 10 km de altitude, no voo que me trará de volta a casa, escrevo-te esta carta por ter a certeza que serás a última mulher da minha vida. Não sei se me consegues ouvir ou ler daí, desse sítio para onde foste, mas mesmo sabendo que há palavras que nunca chegam ao seu destino, nada me impedirá de soltar estas certezas ao vento. A vida também acontece entre voos, entre momentos, entre o ontem e o amanhã. Quem sabe se, um dia, após a demorada travessia pela solidão anónima das salas de espera onde vivem, estas palavras te encontrem e te façam sorrir com o mesmo carinho com que as escrevi para ti.

 

Não sei que futuro nos reserva o destino, mas sei que um dia, neste ou noutro tempo, voltaremos a estar juntos. Na doçura de cada palavra sussurrada, em cada gesto aconchegado por um abraço apaixonado, há um número incomensurável de futuros possíveis e, mesmo esses, são multiplicados por um simples piscar de olhos quando o sol se reflete no teu cabelo comprido, ou pelo fluir das emoções intensas sempre que as nossas mãos se tocam pela primeira vez em cada manhã, ou mesmo pelo instante a mais em que demoro a respiração quando, arrebatado, observo os milagres quotidianos que constróis. Mesmo assim, e apesar dessa vastidão de possibilidades, sei sempre onde quero estar: contigo.

 

Fazes-me falta, sabes? Sinto falta da tua presença pacificadora, pura, todos os dias. Sinto falta de dizer, à noite, ao deitar, que te amo. Sinto falta de acordar ao teu lado para te dizer, nas primeiras palavras que ouvirás ao acordar, que te adoro, que és uma mulher fantástica mesmo quando tens o cabelo despenteado e as marcas do lençol no teu rosto perfeito. Quero beijar os teus lábios doces no final de cada dia de trabalho e dizer-te que estás deslumbrante e que te desejo. Quero estar na tua cozinha a colocar a mesa para cinco enquanto preparas o jantar e falamos sobre as pequenas grandes coisas do dia. Quero estar ao teu lado quando ficas frustrada porque não consegues “chegar” a um aluno teu. Quero abraçar-te para te dizer com ternura que, apesar das dificuldades, tudo vai ficar bem. Quero fazer-te sentir, todos os dias, o privilégio que experimento por estar ao teu lado. Quero dizer-te que sei que és um anjo na minha vida e na nossa família...

 

Em todos os futuros possíveis do meu “hoje”, és a única certeza e, se depender de mim, em cada presente nunca haverá lugar para um único “tarde demais”. Quero que saibas que todas as manhãs te escolho a ti, para amar, mesmo quando aquilo que nos separa parece irremediável. Se for essa a tua vontade, irei contigo para onde quer que vás e, nessa altura, irei dizer-te todos os dias, olhos nos olhos, segurando nas tuas mãos de veludo, que és a última, que és a mulher da minha vida e que sou feliz...

 

GMT

1 de Dezembro, 2015

 

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