Tímidas promessas de sol...
Estranhamente, o sol tinha-se escondido atrás de um céu cinzento, fazendo esquecer o dia ensolarado de ontem. Podíamos quase sentir a gotas de água a conspirar, a prepararem-se para desabar durante a manhã, fazendo jus a mais uma manhã de outono, para lá das janelas grandes do meu quarto. Acordei satisfeito, desfrutando antecipadamente do encontro que tinha para depois do almoço. Sorri… Demorei-me um pouco mais por entre os lençóis, imaginando a conversa, ensaiando perguntas e respostas como se fosse a primeira vez que sairia com alguém e, ao mesmo tempo, sem conseguir esquecer o seu perfume…
Vi-a ontem, novamente. Já a tinha visto por ali algumas vezes, elegante, confiante, ajeitando o longo cabelo de caracóis loiros com uma mão, os dois filhos pendurados na outra, caminhando como se toda a vida se tivesse preparado para desfilar para mim… Ou assim eu achava. De qualquer modo nunca tinha tido a coragem de lhe dirigir mais do que um “bom dia” ou “boa tarde” tímido, sorridente mas comedido, aquele tipo de cumprimento entre pessoas que sabem que só se encontram naquele mesmo sítio e que, mesmo sem se conhecerem bem, sentem que poderiam facilmente ser amigos e, quem sabe, talvez, construir uma história bonita sobre duas pessoas que se conheceram casualmente porque frequentavam a mesma esplanada ou davam aulas na mesma escola…
Sobressaltou-me com uma voz quente, sensual, com um inesperado “Posso ajudar?” quando eu olhava para as palavras cruzadas, e pensava para mim que naquele dia ela estava demorada… “Olá, ainda bem que chegou, estava a sentir a sua falta!” deveria ter dito… mas saiu-me um gaguejado incompreensível, do género “Não, tudo bem, sim, quer dizer, obrigado, estava só a tentar as palavras cruzadas, já agora bom dia, quer tomar café, ou se calhar já tomou, naturalmente…”, - parvo não sabes o que estás a dizer, que figura, pensei - ao que ela me respondeu, com um olhar compreensivelmente desconcertado: “Peço desculpa, não entendi, o barulho...” ao mesmo tempo que me tocava o braço com a sua mão durante um momento que me pareceu uma eternidade deliciosa, em que os meus olhos puderam tocar os dela e encontrar uma paz há muito procurada… “Eu é que peço desculpa!” – respondi mais recomposto e seguro – “Quer tomar um café?”
Perante a impossibilidade do momento, sugeriu que tomássemos café no dia seguinte, depois de almoço, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Concordei de imediato, satisfeito, sem conseguir evitar que um sorriso me chegasse aos lábios, e levantei-me. “Vai sair da escola, descer a rua?”, perguntei enquanto dobrava o jornal…
E depois falámos do tempo de outono, do prazer de aconchegar a roupa ao corpo para nos protegermos do frio, da forma como a vida louca quase não deixa tempo para que nos possamos conhecer, do gato “Pompeu” que lhe faz companhia em casa (enquanto eu guardava para mim a imagem do meu pastor alemão), do facto de já nos termos visto algumas vezes naquele local (enquanto eu guardava mais uma vez para mim que era por causa dela que as minhas manhãs começavam com o pequeno almoço ali no bar), falámos do último filme que cada um viu e de outras coisas sem sentido que trouxe para a conversa apenas para poder continuar a ouvir a sua voz e sentir a atração do seu perfume, apenas para ouvir o seu riso e observar a forma como os seus olhos se fechavam ligeiramente e de forma cativante enquanto se ria e abanava a cabeça, com os seus caracóis loiros a ondular ao sabor da brisa de outono…
“Ainda é cedo, não há pressa, é sábado e o nosso café é só depois de almoço!”, pensei, enquanto me decidia a levantar da cama. Despi as confortáveis calças do pijama, a T-shirt verde escura e, a caminho do banho, coloquei a tocar os "The Verve" no iPhone, enquanto as primeiras gotas de água caiam lá fora e eu sentia renascer dentro de mim sensações há muito esquecidas, como tímidas promessas de sol…